Poesia: Itinerário

Poesia: Itinerário

publicidade

Escuro, escuro

Um ponto no futuro

Denso, triste, duro

Ah, como ainda dói!

Escuro como o futuro

Duro como a tristeza

Sólido, árido, eu juro

Um homem de porcelana

Uma imagem de Veneza

Mariana pondo a mesa

A cortina feito um muro

Lavadeiras sobre águas

Moças com suas anáguas

Pernas abrindo lençóis

Figurinhas em vitrais

Azul só de metileno

O céu como uma abóbada

Latas de anil turquesa

O cão deitado no portal

Soldado de chumbo abatido

A voz rude nos jograis

Uma alegria por semana

O vermelho da locomotiva

O desbotado da pátina

O preto quente dos trilhos

A fome ranhenta dos filhos

Escuro, escuro, escuro

Ponte sobre o rio impuro

Águas que nunca voltam

Ah, como isso me remói!

Na placidez da tarde

Com a febre que arde

O menino pergunta:

Pai, o que é a morte?

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895