Políticos encrencados é que mandam

Políticos encrencados é que mandam

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Sob suspeita

 

Homens abriam portas para mulheres. Levantavam-se nos ônibus para que elas sentassem. Cavalheirismo ou machismo? Já vi mulher se ofender com esse tipo de gentileza. Não era necessário garantir por lei o exercício do respeito com mais velhos, gestantes e deficientes cedendo-lhes lugar num coletivo. Verdade ou mito? Alguma coisa mudou. Houve um tempo, ainda que possivelmente impossível de ser localizado, em que políticos acusados de alguma irregularidade afastavam-se dos seus cargos até que tudo fosse esclarecido. É possível citar casos concretos. Não é mais assim. Quem está no cargo, agarra-se a ele. Quem não está, mesmo investigado ou réu, se faz eleger sem pudor.

O presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, está crivado de suspeitas. Já teve sua residência vasculhada pela polícia. Na semana passada, teve seu sigilo telefônico quebrado. A Procuradoria-Geral da República pediu o seu afastamento. Ele continua impávido como um casco de navio atracado para sempre num cais abandonado. O presidente do Senado, Renan Calheiros, vive sob suspeita e investigação. Já precisou renunciar uma vez ao seu importante posto para escapar de coisa pior. Voltou, arranjou novas confusões e não pretende tirar o time de campo. Manda e permanece. O alvo da justiça Eduardo Cunha quer derrubar a presidente da República para moralizar o país. Calheiros quer salvá-la para salvar-se. O Rio Grande do Sul achava-se diferente do resto do Brasil. O sonho acabou.

O novo presidente do Tribunal de Conta do Estado, conselheiro Marco Peixoto, é réu por estelionato no Superior Tribunal de Justiça. No tempo do cavalheirismo, quando os homens supostamente não precisavam de leis para dar lugar a senhoras nos transportes coletivos, réus tinham pudor de concorrer a cargos de controle de contas alheias. Era uma questão de honra mostrar ficha limpa antes de julgar a ficha dos outros. Nessa época pré-histórica, colegas recusavam-se a eleger quem pudesse causar constrangimento a todos.

O novo presidente da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Cássio Trogildo (PTB), mantém-se no cargo graças a uma liminar obtida no Superior Tribunal Eleitoral. Responde por suspeita de compra de votos. Indicou para diretor-geral da casa, Atidor Cruz, impedido pelo juiz Sandro Antonio da Silva, da 1ª Vara Cível do Fórum de Viamão, de exercer funções públicas sob acusação de extração irregular de areia. Por que os vereadores, salvo os do PSOL e o petista Marcelo Sgarbossa, votaram em Trogildo para presidente da Câmara? Porque por acordo interno era a vez do PTB de ocupar a vaga. No tempo do cavalheirismo, um partido não indicaria um membro respondendo a processo.

O próprio não aceitaria a indicação. Ou não seria eleito.

Tudo mudou. Lugar no ônibus só se cede porque é lei. A presunção de inocência tornou-se pretensão de poder. Continuo sem entender o seguinte: por que o investigado Jardel não foi escolhido presidente da Assembleia Legislativa? Questão de isonomia. Ah, o seu partido não é uma das quatro maiores bancadas e não integra o rodízio para a presidência. Está explicado. Ou seria uma baita injustiça.

Para mandar e ser escolhido pelos pares, precisa estar encrencado.

Ou não tem graça,

É questão de honra para a classe política.

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