Por que democracias estão em crise?
Direita resolveu estimular loucuras do extremismo
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Há textos que iluminam pela simplicidade, talvez até pela obviedade. Por que a democracia americana está em crise? O economista Paul Krugman deu uma resposta cristalina a essa questão: porque a direita (Republicanos), em busca do seu ideal permanente, pagar menos impostos e melhorar a vida dos ricos, resolveu mexer com a extrema direita no que ela tem de pior: racismo e teorias da conspiração. Dá para acrescentar, machismo, homofobia, anticomunista de opereta. Por que a direita fez isso? Porque era a maneira mais rápida de conseguir votos. A direita turbinou os malucos e foi dominada por eles.
A base da operação tem consistido em alimentar todas as desconfianças até então consideradas inverossímeis: contra resultados eleitorais, contra a esfericidade da Terra, contra votos pelo correio, contra a mídia, contra as elites (jogo duplo), contra a própria democracia, contra a ciência, contra a política. O mundo seguiu a ideia e produziu Orban (Hungria), Duterte (Filipinas), Erdogan (Turquia), etc. O senso comum grosseiro, que criava brigas de boteco e hoje pontifica nas redes sociais, virou ideologia certificada graças ao cinismo e ao oportunismo dos políticos. Se dá votos, por que não? Porque só poderia levar ao “golpe do Capitólio”.
De que se fortalece a desconfiança que mina a democracia? Krugman dá uma pista: “O senador Rob Portman declarou que ‘precisamos restaurar a confiança na integridade do nosso sistema eleitoral’. Portman não é estúpido; ele deve saber que o único motivo para que tantas pessoas duvidem dos resultados da eleição é que membros de seu partido deliberadamente fomentaram a dúvida. Mas ele ainda assim mantém o fingimento”. Vale para o resto. Quanto mais se alimenta a desconfiança, mais há desconfiança. Aí vem o espanto: quanta desconfiança! Mesmo sabendo que não houve fraude, vota-se contra a certificação do resultado eleitoral para adular o eleitorado maluco, engordando o imaginário da negação, e contar com ele na próxima.
Sabota-se o sistema para tentar dominá-lo e acaba-se dominado pelo vírus inoculado num organismo antes funcional. Faltou um detalhe: combinar com os malucos. Krugman analisa a falha do plano: “Com a ascensão primeiro do Tea Party e depois de Donald Trump, os cínicos descobriram que na verdade os malucos estavam no controle, e que o objetivo destes era destruir a democracia, e não reduzir a alíquota do imposto sobre ganhos de capital”. A substância dessa estratégia é a mentira repetida à exaustão, que simplifica e cabe no imaginário redutor: os Democratas são comunistas; o vírus é chinês.
Krugman dá o tom para quem acha que a história está mal contada: “Não, a eleição não foi roubada – não existem provas de fraudes eleitorais significativas. Não, os democratas não são parte de uma conspiração de pedófilos satanistas. Não, eles não são marxistas radicais – mesmo a ala progressista do partido seria considerada como de esquerda moderada em qualquer outra democracia ocidental”. Mentir pode criar tribo, lealdade e votos. Mas tem custo.