Portugal contra o austericídio

Portugal contra o austericídio

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Pequeno grande Portugal

  A revista inglesa The Economist é um bastião do liberalismo ou do neoliberalismo. Ninguém sabe a real diferença entre liberalismo e neoliberalismo. Talvez o neoliberal seja um liberal mais liberal do que os simples liberais. Um extremista. Assim como os neomarxistas poderiam ser menos marxistas do que os velhos marxistas, salvo se forem apenas os seguidores de Lukács, Gramsci e outros que levaram Marx para questões da chamada superestrutura. Estou pegando pesado. É sábado. Bora, botar os miolos pra trabalhar, moçada. Velhinhos idem.

The Economist descobriu Portugal. Eu fiz isso anos atrás lendo as obras daquele que deveria ter recebido o Nobel da literatura no lugar de José Saramago, o genial Lobo Antunes, o autor dos mais contundentes livros sobre o processo de descolonização da África lusa. A gente lê, senta num canto e pensa: filhos da ponte que caiu! Ir a um país várias vezes ajuda a conhecer um lugar, mas o melhor mesmo é ler os livros dos seus ficcionistas mais verdadeiros. A literatura não mente. Salvo quando só quer ganhar prêmios distribuídos pelos coleguinhas de campo. É outro papo. Mas afinal o que é que os portugueses têm para mostrar ao mundo a ponto de ganhar almoço grátis nas páginas da revista de cabeceira dos defensores do Estado mínimo para a plebe e máximo para a turma dos camarotes?

Feito a jangada da obra-prima de Saramago, Portugal se separou da Península Ibérica, da União Europeia, do mundo, da chamada troika (Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu) e do senso comum dos economistas liberais e, em vez de ficar a deriva, passou a navegar com autonomia e excelentes resultados. Sob o comando do primeiro-ministro socialista Antonio Costa, Portugal deu uma banana para as políticas austericidas defendidas pelos alemães e pelos organismos acostumados a quebrar países para salvar banqueiros e ganhou o alto mar. Costa reduziu o déficit público pela metade, alcançando o melhor resultado do país deste 1974, e restabeleceu os patamares anteriores à crise dos salários e das aposentadorias.

Santo Costa, qual o teu milagre, pá? Algo maravilhosamente cristalino pregado por economistas da contracorrente como o prêmio Nobel de economia, colunista do New York Times odiado pela extrema-direita brasileira, Paul Krugman: fazer o Estado gastar mais em tempos de crise para alavancar o crescimento. Aprende, Temer, aprende. Bom aluno, Portugal tentou seguir a cartilha austericida. Viu-se afundando vertiginosamente. Rompeu o círculo da maldade e agora ganha manchete na Economist. Os secadores neoliberais murmuram:

– Deixar estar que já te pegamos, ó velho Portugal...

Essas façanhas de Portugal não deveriam ser contadas por aqui. São maus exemplos. O Brasil já apostou na elevação da demanda interna para estimular o crescimento. Os neoliberais já saltam matando:

– Deu no que deu!

Será? Não teria sido possível evitar os desvios de percurso? Sem a corrupção e sem certas teimosias a experiência brasileira teria naufragado? O jornal Folha de S. Paulo, tão crítico do modelo brasileiro, chamado de lulopetismo, anotou sobre Portugal: “Em menos de dois anos, o cenário passou a ser otimista. O Banco Central português estima, para 2019, redução da taxa de desemprego para 7%, enquanto as exportações devem crescer em 6%”. Não seria melhor, por garantia, mexer novamente na Previdência, fixar a idade mínima para aposentadoria em 80 anos e privatizar a administração da economia?

Não é de duvidar que, dentro de algum tempo, Portugal entre em crise novamente. Essa é natureza da coisa. Quando isso acontecer, os neoliberais gritarão: “Viram, nós avisamos”. Esta erudita coluna não perde oportunidade de copiar e colar citações provocativas como esta da gloriosa Folha, jornal que apoiou o golpe midiático-civil-militar de 1964 e a sua ditadura moral e cívica: “O bom desempenho da economia coloca o país na posição de um ‘oásis’ em meio à turbulência política que atinge a Europa. Além disso, indica que a solução keynesiana — referência às teorias do economista inglês John Maynard Keynes defendendo a intervenção do Estado para impulsionar a economia - pelos portugueses está funcionando para gerar crescimento”.

Keynes vive. Enquanto isso na sala de justiça do jornal liberal francês Le Figaro o tema é a Argentina do neoliberal Mauricio Macri. Manchete: greve geral paralisa Argentina. Explicações: Macri pilota uma política de austeridade. O PIB recuou 2,3% em 2016. Um terço dos argentinos vive abaixo da linha de pobreza. A inflação anual é de 40%. O governo retirou ajuda ao consumo de gás, eletricidade e água. O país, que Macri prometera fazer decolar, afunda. O presidente empresário segue rigorosamente as medidas recomendadas pelo FMI.

Que estranho!

A mídia francesa de direita parece mais interessada na crise argentina do que a brasileira. Faz sentido. Quanto mais longe, mais próximo. Os liberais brasileiros preferem falar da Grécia.

Portugal e Argentina só interessam no futebol.

Ai, este mundo ainda vai se tornar um imenso Portugal!

 

 

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