Posso vender a minha liberdade?

Posso vender a minha liberdade?

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Limite da liberdade

Ando assim, voltado para o passado, que é uma forma de falar do presente. Uma pessoa tem direito de se prostituir? Pode o Estado punir alguém legitimamente por vender seu corpo para relações sexuais? Em caso afirmativo, qual o fundamento dessa proibição? Em caso negativo, por analogia, pode o Estado impedir alguém de vender-se como escravo? John Stuart Mill ocupou-se desta última questão. Como ele defendia o “princípio do dano”, a ideia de que só se pode proibir o que provoca danos a terceiros, não podendo o Estado impedir uma pessoa de fazer mal a si mesma, ficou em contradição ao negar a possibilidade de alguém, por livre decisão e contrato, aceitar tornar-se escravo de um senhor.

Se posso vender meu corpo, por que não posso vender a minha liberdade? Mill tinha uma boa resposta: “O princípio da liberdade não pode exigir que seja livre para não ser livre. Não é liberdade ter permissão para alienar a própria liberdade”. Não posso ser livre para me tornar prisioneiro sem poder jamais me arrepender e rescindir o contrato. Só posso fazer aquilo que preserva a minha liberdade. Mill escreveu antes de Freud. Copérnico acabou com a ilusão de que a Terra era o centro do universo. Darwin liquidou a ideia de que o homem era único. Freud torpedeou a teoria do homem racional, consciente e dono dos seus atos.

Vivemos num tempo em que cada um quer afirmar a sua verdade sem passar pelo aborrecimento da confrontação com o oposto. Um diz que não se deve dar a palavra ao outro. O fascista defende que não se dê voz ao comunista, que postula silenciar o fascista. A verdade, porém, como ensinou certo Karl Popper, avança por refutações constantes do falso a partir do confronto de opiniões. O PT precisa debater incansavelmente com o MBL. Imagino leitores reclamando de tantos nomes, o que tornaria o texto incompreensível. Tudo que precisa ser conhecido para entender este artigo está nele mesmo. Como sei o que deve ser proibido? Quando a liberdade é diferente do capricho e do mero interesse particular? Como fixar “o equilíbrio entre a autonomia individual e o controle social?”

John Stuart Mill teorizou o que me guia como jornalista: não basta que as diferentes opiniões coexistam lado a lado. É preciso que elas sejam confrontadas. Para o autor de “Da liberdade” isso se chamava pluralismo. Os militantes políticos de todos os horizontes raramente são pluralistas. Eles aceitam a diferença consentida, a que eles consentem. E consentem aquilo que não os confronta radicalmente. O confronto exige autocontrole e uma técnica de combate capaz de temperar razão e emoção. O Brasil é signatário de convenções internacionais, mas não as respeita. O Comitê de Direitos Humanos da ONU determinou que o país dê condições a Lula para ser candidato na medida em que seus recursos judiciais não foram esgotados. Esquerda e direita precisam se confrontar quanto a isso.

Por enquanto, uma parte comemora; a outra, menospreza; uma parte reclama; a outra, insulta. Se assino o contrato, por ser livre, e não o cumpro, também por ser livre, quais são as consequências? Tudo é fake?

 

 

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