Prêmio a leitores livres, leves e soltos

Prêmio a leitores livres, leves e soltos

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Maria Thereza Druck, em nome da Habitasul, criou um prêmio genial para leitores.

Fiz parte do júri ao lado de Antônio Hohlfeldt e do editor Luís Gomes. David Coimbra não pôde comparecer, mas mandou uma bela crônica como mensagem. Indicamos livros que foram lidos ao longo de 2014 pelos funcionários da Habitasul do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina interessados em participar do concurso com premiação em dinheiro para os cinco primeiros colocados. Os livros eram Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Os Tambores de São Luís, de Josué Montello, Os Varões Assinalados, de Tabajara Ruas, Ed Morte, de Luis Fernando Verissimo, Ficções, de Jorge Luís Borges, Bonequinha de Luxo, de Truman Capote, e Extensão do Domínio da Luta, de Michel Houellebecq. Que livro encantou a maioria dos concorrentes?

Aquele que eu esperava: Os Tambores de São Luís. Em segundo lugar apareceu Vidas Secas. Borges apaixonou uma leitora e desagradou outros pela dificuldade. Houellebecq chocou alguns e encantou uma concorrente. Capote foi rotulado de fútil. Verissimo chamou a atenção mais intensa de um candidato. Tabajara Ruas teve algumas citações. Por que Josué Montello deu de goleada? Porque seu livro é maravilhoso e toca as pessoas que gostam de histórias emocionantes e simples. Tenho dito que esse é o grande paradoxo da literatura brasileira: um dos melhores livros do século XX, Os Tambores de São Luís, é de autoria de um escritor considerado de mediano a medíocre. Os críticos ditos refinados torcem o nariz para ele. Eu digo sem vacilar: Tambores de Luís é um livro mais apaixonante do que Grande Sertão, a obra-prima de Guimarães Rosa. Digo mais: é melhor. Mais verdadeiro.

O concurso de Maria Thereza Druck escancarou uma verdade: o leitor é soberano, passa por cima das hierarquias, escolhe aquilo que lhe toca o coração e mostra assim as razões de tantos fracassos literários de obras artificiais. Querem saber da vida e do cotidiano. As faculdades de letras deveriam realizar grupos focais de literatura a exemplo do que se faz em política. Colocar grupos de pessoas em salas fechadas e dar-lhes para ler textos sem os nomes dos autores. Tenho a convicção de que a classificação feita por esses leitores de ocasião derrubaria os cânones deformados pelos formadores de opinião. A vencedora do concurso da Habitasul foi Maria Gorete, cozinheira do hotel Laje de Pedra. Ela deu uma show de autenticidade ao expor sua leitura de Josué Montello, Graciliano Ramos e de Michel Houellebecq. Compreendeu, aplaudiu, ilustrou com imagens e criticou com perfeição.

Leitores ditos comuns apreciam muito mais os conteúdos do que as formas. Buscam veracidade nos relatos. O interesse pela realidade tende a superar o desejo de fantasia salvo quando a fantasia surge como a negação de uma realidade negativa. O negro Damião, personagem de Montello nessa história ambientada no Brasil escravista do século XIX, arrancou até lágrimas dos leitores da Habitasul. De mim, quando li esse livro pela primeira vez, também. Leitores livres são sábios.

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