Primeiras lembranças do Natal

Primeiras lembranças do Natal

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Tudo é muito vago agora que minha memória falha. As primeiras lembranças que consigo ter do Natal dizem respeito aos métodos do Bom Velhinho. Acho que eu tinha uns seis anos de idade e muitas dúvidas sobre o funcionamento do 25 de dezembro. Fiquei sabendo que Papai Noel entrava pela chaminé para entregar seus presentes. Em Palomas, não havia uma só chaminé. Apenas canos de fogão. Mesmo que fosse esquálido, Papai Noel não passaria por um deles. Se conseguisse, entraria numa quente. As chapas dos fogões custavam muito a esfriar. Havia também o que me parecia uma contradição evidente: para que colocar os sapatos, ou os chinelos, na porta das casas se o homem entrava pelas tais chaminés? Creio que ouvi uma explicação aceitável: em lugares sem chaminés, Papai Noel precisava dos nossos sapatos.

Vi uma foto de Papai Noel numa revista colorida e tive outra preocupação: como ele faria para suportar o calor senegalesco, falava-se assim por influência dos programas esportivos de rádio, de Palomas? Era como viajar de poncho em pleno verão. Não me contive e perguntei, usando a expressão corrente, se ele não ficaria doente:

– Não vai lhe brotar o sarampo?

A resposta não me convenceu: Papai Noel vinha de um lugar tão frio que mesmo o calor palomense não chegava a atingi-lo. Não me parecia bonito ou lógico que Papai Nobel carregasse o frio na alma e no corpo. Certamente estavam querendo me enganar. O Natal, em Palomas, era festejado no dia 25, não na noite de 24 de dezembro. Isso me colocava outro problema: se Papai Noel descia por chaminés, quem o recebia à meia-noite? Alguém conseguia ficar acordado até tão tarde? Se não havia chaminés, como ele fazia para localizar nossos sapatos na escuridão total, salvo no caso de uma lua cheia? Não seria melhor deixar, ao menos, uma vela acesa para guiá-lo? Essas perguntas eu fazia para todo mundo. A resposta mais convincente que ouvi me foi dada por uma coleguinha que não vejo há quase 50 anos, a Eliane:

– É tudo mágico!

Sim, era isso. Eliane tinha razão. Mas eu era novo demais para saber disso. Quanto tempo perdido. Ainda vejo seus olhinhos castanhos iluminando-se para me esclarecer. A sua vozinha era cristalina como um metal batendo num vidro. Num arroubo, estridente, ela repetia.

– É tudo mágico!

Na minha inexperiência, eu queria uma explicação que hoje não seria pomposo chamar de racional. Ficava vermelho de raiva. Chorava.

– Quem te contou?

Eliane não respondia. Ria. Saía correndo. Escondia-se. Quando penso nisso, com as imagens repentinamente tão vivas na minha mente, como se um clarão furasse o bloqueio do esquecimento, fico deslumbrado com a inteligência da minha amiguinha. Ele soube tão cedo o que só agora começo a compreender. Como não me dei conta antes:

– Era tudo mágico.

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