Profissão de fé no jornalismo

Profissão de fé no jornalismo

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Emito opiniões todos os dias. Trabalho com isso. Para cada texto, recebo duas mensagens opostas. A primeira me parabeniza pela isenção. A segunda me critica pela tendenciosidade. Quem me elogia pela isenção, comemora o fato de que nossas opiniões coincidem. Quem me critica pela tendenciosidade, lamenta que a minha opinião não coincida com a sua. Jamais fui chamado de parcial por quem estava de acordo com a minha opinião. Jornalista precisa ter lado. Um lado a ser escolhido a cada novo assunto. O lado do jornalista deve ser sempre o da verdade segundo a sua consciência e a clareza dos fatos.

Em debates, donos da verdade esperam que os jornalistas sirvam apenas para passar a palavra e ler os comerciais. Contrariados, dão carteiraços. Toda vez que o discurso de autoridade é brandido, o melhor argumento está com a vítima dessa fúria normativa. Jornalista deve ser neutro, objetivo, isento e imparcial? Jornalista deve ser independente. Não ter compromisso. Outro dia, recebi uma mensagem enigmática ou paradoxal. Ainda estou tentando entender o seu sentido.

– Queremos que a sua opinião seja neutra.

Opinião precisa ser consistente, convincente, honesta e firme. Não se pode esperar, no entanto, que uma opinião convença quem dela discorda por princípio ou interesse. Uma vez, chamado de parcial, mudei de opinião, adotando o contrário do que havia dito, só para testar a coerência da audiência.

Meu interlocutor então exclamou:

– Muito bem, agora sim o senhor está sendo imparcial.

Jornalista independente não se deixa impressionar pelo clamor das massas. Elas facilmente optam pelo olho por olho e dente por dente. Jornalista independente exige do Estado procedimentos racionais e tem coragem de comprometer-se saindo da zona de conforto.

Numa palestra, fiz a pergunta padrão para colher boas respostas.

– Qual o papel do jornalista?

– Nenhum – respondeu um guri com ar de nerd.

– Como?

– Agora, professor, é tudo virtual.

Papel de jornalista é contrariar o senso comum quando este esconde, por trás das aparências, quase sempre enganadoras, alguma verdade mais profunda e incômoda. Acontece até de o homem de bem pensar mal. O jornalista tem a obrigação de compreendê-lo na sua indignação moral ou na sua dor pessoal e, feito isso, buscar, como princípio universal, algo menos contingente e imediato. Jornalista que só dá o que é esperado, querendo agradar sem provocar choques de percepção, não cumpre o seu papel essencial: descobrir o que está encoberto pelas racionalizações, erros, mentiras e manipulações.

Um jornalista neutro é o sonho de todos que se sentem incomodados com opiniões contrárias às suas. Ouvi esta recomendação:

– Contra ou a favor do impeachment?

– Contra se não houver prova de um crime de responsabilidade.

– O seu papel é ser neutro.

No dia seguinte, a mesma pessoa falava com um colega:

– Contra a favor do impeachment?

– A favor.

– Parabéns. A sua opinião é essencial para o nosso país.

Neutralidade é o nome que se dá a qualquer tentativa de neutralização de opiniões das quais não se gosta. Pura retórica. Ou, noutra perspectiva, uma estratégia ardilosa de silenciamento.

Um grito na contramão.

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