Quadrilha, um texto de 2006

Quadrilha, um texto de 2006

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Em 2006, publiquei o texto que segue. Estará atual?

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   Era uma vez um país diferente, onde o diferente era igual, mas um igual diferente, uns sendo muito mais iguais que os outros. Nesse país abençoado por Deus e sempre perdoado pelos eleitores, Collor amava Brasília, que só dava para os poderosos. FHC amava as elites, que só o amavam por dinheiro. Lulla amava o proletariado e o PT, que só amava o poder e abusava das esperanças proletárias. Por isso, foram todos para Brasília dividir o mesmo amor. Collor tinha PC. FHC tinha CV. Lulla não tinha PC nem CV, mas era um mito e arrumou logo um Marcos Valério. Collor queria vender tudo. Mas não entregava nada. E cobrava comissão. FHC comprava votos e vendia estatais.

Lulla compra deputados e vende ilusões. Estão todos absolvidos.

O primeiro nos chegou como quem chega do nada. Mostrou-nos o seu Cartier. Não parou de contar suas vantagens. Vasculhou nossas poupanças e raspou os nossos bolsos. Encontrou-nos tão desarmados que, assustados, votamos sim. Em pouco tempo, tudo nos tomou. Apavorados, dissemos não e demos-lhe um pé na bunda ainda que tardio. O segundo nos chegou como quem vem da universidade. Trouxe muitas teorias. Só faltava nos chamar de reis e de rainhas. Tinha tanta lábia que, duas vezes, dissemos sim. Mas não nos dava nada e resolvemos esquecer o que ele prometeu, fez e escreveu. O terceiro nos chegou como quem chega do bar, trouxe uma garrafa de aguardente que não deixa ninguém tragar. Instalou-se feito um posseiro no Planalto Central. É amigo do Chico Buarque e dos intelectuais.

Se duvidar, ele nos chama de vadios. Mas jura que nos ama como um pai.

Collor e Lulla vão agora se encontrar em Brasília para dividir o quinhão. Em partes igualmente diferentes ou diferentemente iguais. FHC, como sempre, vive no seu pedestal. O primeiro é senador; o segundo, quase imperador; o terceiro acha que é príncipe. Mas não chega nem aos pés de Maquiavel quanto mais de um Bórgia. Se bem que esse pessoal gostava de bandalheira... Era uma vez um país diferente, onde o diferente era igual, todos igualados pela enormidade das promessas, pelos recordes de corrupção e pela complacência dos eleitores. Mas diferenciados pelo valor das propinas, pelo preço dos votos e pelo tratamento na mídia. Era uma vez um país diferente, que adorava quadrilhas, festa junina e circo. Quem seriam os palhaços? Juro que não faço a menor ideia. Pago propina para saber.

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