Quando um hospital agoniza

Quando um hospital agoniza

Como gastar menos e cuidar mais?

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      Em tempos de pandemia, com a minha gigantesca ingenuidade, sempre penso que o sistema esteja comprometido com a salvação de pessoas e dos hospitais necessários aos cuidados fundamentais que a preservação das vidas exige. Não consigo entender falta de oxigênio em se tratando de um produto passível de fabricação e de transferência de um lugar para outro. Vivendo em Porto Alegre há 41 anos, já com raízes profundas neste lugar, nunca deixo de acompanhar a situação do interior do Rio Grande do Sul, especialmente da minha cidade natal, Santana do Livramento, onde vivem minha mãe, minhas irmãs e muitos parentes. Pelo que entendi, mais uma vez, a Santa Casa de Misericórdia agoniza. Funcionários aprovaram entrar em grave. Como ficará a ala Covid?

      Ouvi um desabafo em vídeo da jovem prefeita Ana Tarouco. Fala bem, mostra naturalidade, busca ser espontânea. Segundo ela, o problema é de sucessivas más gestões. A prefeita, delegada de polícia de origem, diz que foi eleita para fazer diferente. Não quer oferecer mais do mesmo. Afirma que só com remédios amargos a Santa Casa será salva. Ana Tarouco destacou mais de uma vez que a Santa Casa é uma instituição privada, que os repasses da prefeitura estão em dia e que os funcionários são da “empresa Santa Casa” e não do poder público. Diagnóstico da prefeita: o problema está em que a Santa Casa gasta mais do que arrecada. Como crítica a uma empresa me parece inapelável. Mas, em se tratando de um hospital, faz sentido? Pergunto. Não afirmo.

      Como fazer para gastar menos quando os problemas se acumulam? Os salários são abusivos? Há prática de ilícitos? Os salários estão atrasados. Só a Santa Casa atende pelo SUS na cidade. Aí eu me pergunto: um hospital com tal função pública é de fato privado? Sem vale-refeição e sem vale-transporte há 60 dias, na linha de frente contra o coronavírus, o que fazer? No seu vídeo, a prefeita não chega a prescrever os remédios amargos. Fiquei curioso. Quais seriam? Tomo o caso de Santana do Livramento como um exemplo daquilo que acontece em muitos lugares. A Santa Casa de Livramento está sob intervenção da prefeitura desde 2015. Os gestores são nomeados pelo executivo.

      Lembro da Santa Casa de Livramento de quando eu era criança. Uma vez, fui visitar minha mãe, que estava internada. Fiquei impressionado com a imponência do prédio. Tudo me pareceu impecável e solene. Queria ficar lá com minha mãe. Adorei a comida. Em 2019, estive lá, visitando uma querida tia. Havia marcas da falta de recursos no corpo do velho e venerável imóvel. Conversei ontem com um médico sobre a situação atual. Ele foi categórico: “Gravíssima. Não tem nada a curto prazo”. Se eu fosse político, o que nunca serei por falta de habilidade para a função e certamente de votos, viveria obcecado por uma causa: suprir as necessidades dos hospitais. Para mim um país só é realmente digno quando seus hospitais estão capacitados para o que der e vier. Se um hospital, mesmo gastando mais do que for capaz de arrecadar, salvar muitas vidas se pode dizer que o negócio é bom e a meta foi alcançada?


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