Que SUSto na população

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Decreto permitia privatizar o Sistema Único de Saúde

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O presidente Jair Bolsonaro revogou o decreto que abria espaço para privatizar o SUS. Depois do susto, o alíviio. O general Eduardo Pazuello, atual ministro da Saúde, o que obedece a quem manda, sem discutir, como determina a disciplina militar, admitiu que não conhecia o Sistema Único de Saúde (SUS) até ser escalado para comandá-lo como parte da sua pasta: "Eu não sabia nem o que era o SUS. Eu passei a minha vida sendo tratado em instituição pública do exército, vim conhecer o SUS a partir deste momento da vida e compreendi a magnitude dessa ferramenta que o Brasil nos brindou”. O SUS, num país atolado na desigualdade como este triste Brasil, é uma das joias da coroa. Até o conservador jornal O Estado de São Paulo reconhece a importância do SUS. Qual era o problema então?

      O decreto 10.530, assinado por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, sem necessidade da assinatura do obediente Pazuello, entregava ao departamento econômico do governo a "preparação de estudos de alternativas de parcerias com a iniciativa privada para a construção, uma modernização e a operação de Unidades Básicas de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios". Em bom português de quem não é economista, era porta aberta para a privatização de parte do SUS. Os governantes, no próprio interesse, costumam iludir tão generosamente quanto prometem gastar menos ou só agir pelo bem público. Do ponto de vista de Paulo Guedes, a ênfase devia ser colocada na palavra “modernização”. No dicionário ultraliberal de Guedes, modernização e privatização são sinônimos e ponto final.

      Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, aquele que, sendo médico, caiu por querer saber mais de cloroquina do que o capitão a quem devia obediência cega, estranhara o decreto: "Sem explicar do que se trata é um tiro no escuro”, disse. Com explicação talvez fosse um tiro no pé à luz do dia. O SUS deve ser melhorado. Piorado, não. Por que assinar um decreto como esse em meio às brumas da pandemia? Seria o espírito do “passar a boiada” enquanto todos estão ocupados com o vírus? Acontece que o SUS concentra todos os olhares em tempos extremos. Bolsonaro é tão autoconfiante que se, numa metamorfose kafkiana de um personagem de Machado de Assis, acordasse general, só estranharia não ter um capitão a quem bater continência. Mesmo assim, diante da pressão, resolveu recorrer ao “meia voltar, volver”. Assina de manhâ, lê de tarde e revoga.

      Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), rotulara de “arbitrariedade” o decreto presidencial sobre o SUS. Ricardo Heinzelmann, da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), chegou a alertar: "Há risco de se perder ações importantes da saúde da família, como a abordagem comunitária. Falamos de uma população vulnerável". Antes de sofrer com o coronavírus, o primeiro-ministro inglês Boris Johnson pretendia privatizar o NHS, o “SUS” britânico, que há 72 anos presta atendimento gratuito. Depois da Covid-19, mudou. Declarou ter sido salvo pelo NHS, “o coração pulsante do nosso país”. Tem gente que aprende com o sofrimento. Ao recuar, garantindo que se tratava de privatização, Bolsonaro acertou. É fundamental louvar os acertos do presidente.

Avante, para trás.

 


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