Quem não está entendendo o urro das ruas

Quem não está entendendo o urro das ruas

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Vou dar nome aos bois.

Vou apontar o dedo para a boiada.

Vou brigar com a manada.

Quem não está entendendo a voz das ruas?

Os partidos políticos que dividem o poder, a oposição, o judiciário e os governos. Fui pouco específico? Serei mais claro. O PT não está entendendo coisa alguma ao pensar que pode botar água no vinho dos manifestantes acusando-os de só fazerem ingenuamente o jogo da extrema-direita golpista.

A extrema-direita também não está entendendo nada ao imaginar que pode se apropriar do movimento da galera que toma as ruas contra tudo e todos e usá-lo para os seus fins.

O PMDB não está entendendo nada porque é surdo e quer continuar sendo. A surdez é a base do seu fisiologismo. Tem peemedebista criticando o excesso de ministérios e brigando por mais cargos em todos eles. O DEM e o PSDB não estão entendendo pivicas se pensam que realmente os jovens urram nas avenidas de saudades de tucanos e demos no poder federal. Tentar tirar casquinhas eleitoreiras das manifestações é quase burrice. O PP não está entendendo nada se acha que há espaço para seu lado Arena vir à tona com suspiros de saudades do regime militar e dos seus coturnos.

O PDT não está entendendo nada se imagina que pode ficar em silêncio esperando a tempestade passar. O PCdoB não está entendendo nada se acredita que pode navegar nessa onda sem risco de cair da prancha. As vagas são violentas, rápidas, ferinas e não são fiéis a partido algum.

O judiciário não está entendendo nada se crê que não é alvo ou se fantasia que pode continuar se beneficiando do que é legal, mas não é moral. Até o PSOL, o PSTU e outros partidos marxistas não estão entendendo nada se nutrem a utopia de que tudo isso seja o começo de uma revolução socialista. A mídia conservadora, principalmente, não está entendendo nada se ainda pretende resumir todas as bandeiras a um discurso lacerdinha contra a “maior onda de corrupção” de todos os tempos que se satisfaria em ver os mensaleiros do PT na cadeia e o PT fora do Planalto. Há poderosas redes de comunicação descobrindo que têm audiência, mas não são admiradas, que podem ser vistas, lidas e ouvidas, mas são odiadas. Estamos na era das redes, dos paradoxos e dos pontos fora das curvas.

Há, porém, uma hipótese radicalmente desconcertante: os políticos estão entendendo tudo, mas fingem o contrário na expectativa de que tudo termine logo e tudo volte a ser deliciosamente, para eles, como antes. Nessa hipótese de que estão entendendo tudo e fingindo não estar entendendo nada, logicamente, eles não estão mesmo entendendo nada e vão dar com os burros na água. Três estratégias foram adotadas até agora para tentar brecar a fúria das ruas: condenar violentamente; adular esses jovens fofinhos que resolveram falar de política puxando a orelha dos adultos; separar o joio do trigo, valorizando estes e atacando aqueles na esperança de jogar uns contra os outros e colher os maus resultados. Nada tem funcionado. A onda continua. A maré não para de subir e de rugir.

A Fifa não está entendendo nada se acha que ainda pode enrolar os brasileiros.

Os constitucionalistas não estão entendendo coisa alguma se creem que podem botar ordem na casa com suas “tecnicalidades” e suas expressões latinas para impedir a democracia direta. Agora é assim, tudo na linguagem do cotidiano. O bicho chegou, pegou, mordeu, gostou e, pelo jeito, vai ficar.

Não está entendendo quem acha que apenas a derrubada da PEC 37 vai acalmar o bicho das ruas.

Não está entendendo que acha que não há perigo de a direita usar a extrema-esquerda.

Não está entendendo que acha que a disputa já se resolveu.

Não estão entendendo os mesquinhos de sempre, com seus discursos ressentidos contra programas sociais, se acham que as massas nas ruas estão abrindo caminho para o velho egoísmo.

Os estudantes querem passe livre e não empresas vendendo serviços de qualquer qualidade.

Não está entendendo quem não vê o perigo da conjunção carnal entre extrema-esquerda e extrema-direita, ambas insatisfeitas com programas sociais. A primeira considerando-os insuficientes ou inadequados. A segunda, pragmática, achando-os excessivos ou inconvenientes.

Não está entendendo nada quem acha que a massa ruge nas ruas por o Brasil estar vivendo o seu pior momento econômico, social, de empregabilidade e de desempenho na maioria dos indicadores.

O Brasil está vivendo o seu melhor momento.

Acontece que o melhor momento brasileiro ainda é parte de um pior histórico.

Um melhor que se alimenta do pior ou o considera parte do jogo.

A massa está aquém e além disso.

A massa está no discurso direto.

A massa saiu das sombras silenciosas.

A massa rompeu a ilusão da representação.

A massa tornou-se, enfim, indomável.

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