Racismo e outras histórias
Truques racistas, teorias e obras
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Libório é insondável. Todo cuidado com ele é inútil. Combate o politicamente correto. Nesta conversa, gravada sem autorização da justiça, por ter sido ouvida na rua, ele mostra as suas astúcias.
– Se eu não lhe der o emprego por ser negro, o que ele vai dizer?
– Que é racismo.
– E se eu lhe der o emprego por ser negro, o que vai dizer?
– Que é uma ação afirmativa justa e necessária.
– Negar pela cor da pele é racismo. Favorecer pela cor da pele, não é. Dois pesos, duas medidas. Comigo, não. Cor da pele, não.
– Princípio universal?
– Bem mais simples. Melhor maneira de não dar emprego a um negro fazendo crer que ele é que está em contradição e quer privilégio.
– Racismo puro e simples!
– O racista passa a ser ele. Crime perfeito. Álibi ideal.
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Machado de Assis pode ter sido o primeiro neurocientista brasileiro. No conto “O cônego e a metafísica do estilo”, lê-se: “Olha bem o que é a cabeça do cônego. Temos à escolha um ou outro dos hemisférios cerebrais; mas vamos por este, que é onde nascem os substantivos. Os adjetivos nascem no da esquerda. Descoberta minha, que, ainda assim, não é a principal, mas a base dela, como vão ver. Sim, meu senhor, os adjetivos nascem de um lado, e os substantivos de outro, e toda sorte de vocábulos está assim dividida por motivo de diferença sexual”. Seria Machado um defensor da gramática de gênero?
Ele também fazia previsões, no mesmo conto, sobre o dia da “conversão pública”. Assim: “Nesse dia – cuido que por volta de 2022 – o paradoxo despirá as asas para vestir a japona de uma verdade comum”. O ano está próximo. Falta saber o que pode ser a japona da verdade comum? Uma vez na vida, para mostrar que podia variar, Machado preferiu não ser claro. Vasculhava a cabeça de um cônego. Aí está.
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Recebi uma edição de “O anti-Édipo” (editora 34, tradução de Luiz Orlandi), de Gilles Deleuze e Félix Guattari, livro de imensa influência na segunda metade do século XX. Acabei me lembrando de algo que já contei muitas vezes, o tempo eu que eu “matava” filósofos franceses. Estava em férias na Grécia. Ia voltar a Paris para uma entrevista marcada com Guattari. Num hotel, encontrei um exemplar do jornal “Libération”. Fiquei sabendo que o meu entrevistado tinha morrido um dia antes. Outra vez, marquei entrevista com Deleuze. Alguns dias antes do encontro, vi na televisão a notícia sobre o suicídio do intelectual. Com Jean-François Lyotard, autor de “O pós-moderno”, conversava por telefone. Quando fui à casa dele para a entrevista, ninguém abriu. Voltamos chocados. Um francês faltar a um compromisso na sua residência! Du jamais vu. No final da tarde, a notícia: “Jean-François Lyotard est mort”. O telefone toca. Era a mulher desculpando-se pela impossibilidade do encontro. Teve um que se antecipou. Eu queria muito entrevistar Guy Debord, o homem de “A sociedade do espetáculo”. Andava procurando um contato. Ele se matou antes de eu conseguir o seu número de telefone. C’est la vie? Ou não?
Releio o primeiro parágrafo de “O anti-Édipo – capitalismo e esquizofrenia”: “Isso funciona em toda parte: às vezes sem parar, outras vezes descontinuamente. Isso respira, isso aquece, isso come. Isso caga, isso f... [sou pudico, não me permiti copiar a palavra inteira]. Mas que erro ter dito o isso. Há tão somente máquinas em toda parte, e sem qualquer metáfora: máquinas de máquinas, com seus acoplamentos, suas conexões, suas conexões. Uma máquina-órgão é conectada a uma máquina-fonte: esta emite um fluxo que a outra corta. O seio é uma máquina que produz leite, e a boca, uma máquina acoplada a ela”. Máquinas desejantes. Máquinas desesperadas. Máquinas úteis?
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Histórias precisam ser recontadas. Em “Acordei negro”, que deveria se chamar “A segunda vez de Quelimane a Samarcande”, reconto a mais intrigante história que já ouvi. Aliás, da boca de Jean Baudrillard: “Na praça da cidade, em presença do rei, um capitão vê a morte lhe acenar. Desesperado, avisa o rei de que vai fugir para Samarcande. E dá no pé. O rei, do alto da sua autoridade incontestável, interpela a morte, que lhe responde: ‘Eu não queria assustá-lo. Só pretendia dizer-lhe que temos um encontro marcado esta noite em Samarcande’”. Fui a Quelimane, em Moçambique, para escrever meu livro, que vi lido na rua. Não tive coragem de ir a Samarcande.
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Imperdível “Max e os demônios” (Sulina), novo livro do médico e escritor Gilberto Schwartsmann, onde aparece um senador grego, amante de certa Melina, de nome Juremius Machadus Silvius. E muitos outros.
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Metafísica do cotidiano.
Há uma máquina no lugar do meu coração
Aparelhos crescem como gerânios
Luzes de led empalidecem a noite
Demônios me devoram a carne em brasa
Chove no altar da cachoeira
Uvas refrescam o amanhecer
Fulguras ao país da solidão
Ando pelas ruas marginais
Eu sou o centro da margem
Nesga colorida no desvão
A porta que fascina o abismo
A moça de olhos rasos sussurra
A sua voz engole a manhã chapada:
É a sua vez de fazer o raio-X.