Razões para gostar de Michel Houellebecq

Razões para gostar de Michel Houellebecq

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Tenho brincado e provocado os leitores propagandeando dois livros de Michel Houellebecq, Partículas elementares e Extensão do domínio da luta.

Ambos traduzidos por mim.

Convenci a editora Sulina a colocá-los no balaio a R$ 10.

O mesmo foi feito com um livro desconcertante do impressionante Mark Dery, Não devo pensar em coisas ruins.

Por que gosto tanto de Michel Houellebecq?

Porque, no seu registro, ele é o melhor.

García Márquez e Vargas Llosa são os melhores nos estilos que praticam.

Houellebecq é o cara no gênero romance contemporâneo sem fronteiras nem limites de gênero. Faz tudo ao mesmo tempo: ensaio, romance, crônica, sátira, provocação, tese, ironia, humor, guerrilha, poesia, guerra, polêmica.

Ninguém tem hoje o seu senso de provocação e a sua capacidade de transfigurar temas cotidianos dando-lhes universalidade concreta.

Houellebecq é um exterminador de malas.

Acaba com malas de direita e de esquerda.

As malas de direita passam o tempo adjetivando a esquerda e, quando são adjetivadas, choramingam contra o uso de adjetivos.

É pura malandragem, safadeza, coisa de espertalhões.

As malas de esquerda acham Houellebecq de direita porque ele é livre.

Eu tenho as minhas malas de estimação. Elas gostavam mais de mim quando me achavam de direita por eu criticar o stalinismo e o socialismo escroto do leste europeu. São aquelas pessoas bizarras que elogiam a neutralidade de um colunista quando a opinião dele coincide com as suas.

Houellebecq, como eu, é um serial-killer.

Ninguém pode ter garantia de contar com o seu revólver.

É franco-atirador.

Malas adoram chantagear. Elogiam o passado, sugerem que, se o sujeito não se cuidar, será ultrapassado, ficará para trás, será engolido. Malas são pessoas chatas que tentam converter a própria chatice em padrão estético universal.

Houellebecq as extermina, fuzila, aniquila.

As maiores malas do Brasil de hoje são os lacerdinhas, esses que fingem lutar contra a corrupção quando, na verdade, só querem combater reformas sociais, herdeiros do golpe de 1964, inimigos das cotas, do ProUni, do Bolsa-família, de tudo o que diminiu a indecência da desigualdade na famigerada democracia econômica das castas nacionais que se reproduzem por cissiparidade.

Os livros de Michel Houellebecq falam do saber e do sexo como sistemas de hierarquia social, como mecanismo de reprodução do horror cotidiano, como formas de produzir ilusão por meio da publicidade e da mídia, como instrumentos de disseminação de amebas, como mecanismos de atualização da miséria de todos os dias, essa miséria do imaginário e da imaginação, essa miséria que se difunde no lugar-comum do "todo político é corrupto" ou do Brasil das prisões lotadas como país da impunidade. Tudo lero.

Bem lido, Houellebecq é o inimigo mortal do papo furado.

Se eu fosse o leitor, corria para a Feira do Livro, último dia, comprava todos os exemplares de Extensão do domínio da luta e de Partículas elementares e os distribuía para todos os lacerdinhas empedernidos da cidade.

Mark Dery faz algo semelhante na crítica cultural.

Quem lê Michel Houellebecq intensamente perde, no mínimo, um pulmão.

Quem me lê corretamente nunca se recupera.

Digo isso modestamente para alertar os gansos.

A verdade nunca se encontra na transparência das coisas.

É só fazer o que eu digo: ler Houellebecq.

O problema é que depois de ler Houellebecq toda a literatura do seu gênero praticada no Brasil fica pálida, uma meleca sem gosto e sem cheiro,

A galera não sabe disso.

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