Reflexões urgentes do palomense João Pensador sobre o conceito de individualismo coletivista

Reflexões urgentes do palomense João Pensador sobre o conceito de individualismo coletivista

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Individualismo coletivista





João Pensador vive em Palomas. Ele se considera um filósofo de ponta. Aderiu aos experimentos mentais para fazer a demonstração e o teste das suas ideias. É um peripatético – anda pelas ruas conversando com quem não consegue escapar da sua filosofia –, embora seus inimigos digam que ele fica mais bem definido sem o prefixo “peri”. João garante que, em sociedade, o individualismo é sempre um coletivismo dissimulado. Entende, com os liberais extremados, que o mais forte deve vencer. O coletivismo é o mais forte como associação dos mais fracos. Em síntese, em qualquer situação, só há coletivo.

–   Como assim, João? – questiona Candoca, o ingênuo.

–   Pensa num jogo de força, Candoca. Você me enfrenta. Eu sou mais forte. Eu ganho sempre. Aí você se junta com o Pedro Pauleira e com o Arlindo. Vocês ganham.

–   Certo, João. Mas a regra permite a gente se juntar?

–   Depende, Candoca.

–   De quê?

–   De que não, Candoca, de quem.

–   De quem?

–   De quem faz a regra.

–   Mas se quem faz a regra, João, estabelece que não poderá existir junção de pessoas para combate, que deve ser sempre um contra um, na bucha, nada mais, impondo o individualismo total como regra absoluta?

–   Se isso acontece, Candoca, o coletivismo já ganhou.

–   Ué! Não entendi.

–   Para fazer a regra valer será preciso contar com a maioria. Só a decisão coletiva pode impor a norma.

–   Mas e se ela for imposta pela força?

–   Aí vocês juntam uma força maior e ganham.

–   Mas se o Estado for mínimo?

–   Para o Estado ser mínimo é preciso, numa democracia, que a maioria assim o decida e tenha condições, com o aparato estatal, de garantir e executar a decisão.

–   O que isso quer dizer?

–   Que o Estado mínimo é sempre máximo.

–   Sempre máximo?

–   Sim, o mínimo de intervenção estatal depende do máximo de capacidade do Estado para fazer valer esse mínimo decidido pelos que compõem o Estado, nós.

–   Nós?

–   Sim, o Estado não é uma abstração. É um coletivo formado e reformado constantemente pelas decisões dos cidadãos através dos seus representantes, que são pressionados por vários aparatos, a mídia, etc.

–   Então o mais liberal dos Estado é coletivista?

–   Sempre.

–   E se for uma ditadura?

–   Nesse caso o Estado será ainda mais forte, máximo, e, ainda assim, dependerá de um coletivo capaz de mantê-lo pela força. Em sociedade, tudo depende de um coletivo de vontades ou de um coletivo de forças. A ditadura é um coletivo de forças em nome de certas vontades. A democracia é um coletivo de vontades legitimada e garantida por um coletivo de força.

–   Mas, então, João, o individualismo é, como se diz mesmo, uma contradição, não, não, um paradoxo?

–   Sim, Candoca, sem tirar nem por.

–   Mas e o coletivismo o que é?

–   É sempre individualista.

–   Ai, meu deus, como assim?

–   Depende de um conjunto de vontades individuais.

–   Deixa ver seu eu entendi: um liberal, defensor do individualismo e da supremacia do mais competente, do mais forte, do mais eficaz, deveria elogiar o coletivo como um indivíduo múltiplo mais poderoso?

–   Certamente. Como eu disse, o coletivo organizado é uma decorrência lógica da lei do mais forte.

–   Toda democracia é coletivista?

–   Toda ditadura também.

–   Mas a democracia é um coletivismo melhor?

–   Claro. Mas ela pode ser pior ou melhor em relação à própria democracia. Numa democracia pior, a maioria, o coletivo, decide em favor dos interesses da minoria. Numa democracia melhor, o coletivo, obviamente, decide em favor de si mesmo, da maioria.

–   E numa ditadura?

–   Ora, numa ditadura, a minoria, um coletivo, decide em seu favor e pela maioria. É simples assim.

–   E numa monarquia absolutista?

–   Bem a vontade do rei prevalece. Mas ela só prevalece se ele tiver a lealdade de um coletivo repressivo.

–   Como assim?

–   Se o exército se voltar contra ele, babaus. Se a nobreza o trair, já era. Se o aparato burocrático não o acompanhar, ela dá os doces. Tudo é coletivo.

–   Estou confuso, me sentindo meio patético.

–   Vai dormir, Candoca, que eu vou ficar pensando.

–   Pensando? Já não basta?

–   Vou ficar pensando como refutar meu pensamento.

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