Ringues uruguaios e brasileiros
O ringue como realidade e como metáfora
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Em Colônia do Sacramento, no Uruguai, o destino quis me dar uma oportunidade: ver Sergio Maravilla Martinez lutar. Desde a minha adolescência que eu estava afastado das lutas de boxe nos ginásios da vida. A idade adulta me transformou num espectador de televisão. Os cartazes espalhados pela cidade à beira do rio da Prata me fizeram mergulhar no tempo. Resolvemos pagar para ver. Chegamos meia hora antes do começo. Aos poucos, o clube Plaza Colônia lotou. A vendedora de ingressos garantiu que não nos arrependeríamos. Foram três horas e meia de combates, lutas femininas e masculinas, amadoras e professionais, intensas ou não.
– Maravilla Martinez luta hoje? – eu perguntava de vez em quando.
– Por supuesto que luta – me respondiam em portunhol.
O argentino Sergio Gabriel Maravilla Martinez foi campão mundial de pesos médios. Todo argentino tem tendência para lenda, especialmente quando o narrador é argentino. Eu não queria ir embora sem ver o mito. O cansaço foi me pegando. A meia-noite chegou. Eu vi Sheila bater Melissa. Vi meninos magros e meninas nervosas se baterem sob gritos e aplausos. Vi um uruguaio baixinho enrolado na bandeira do país colecionar abraços dos vencedores. Vi uma senhora de cabelos brancos soltar agudos “arriba y abajo” para seus lutadores prediletos. O mestre de cerimônia relembrava:
– O ponto alto hoje será a presença de Maravilla Martinez no quadrilátero.
Essa fórmula me acendia uma dúvida. Lutaria ou não? Então me virei para um homem que pedia a todos mais garra e agressividade e perguntei:
– Maravilla Martinez luta hoje?
– Por supuesto que lucha. Entremientes, verás El Mariachi.
Eu vi. Já passava da meia-noite. Foi o melhor de todos. Chegou a levar o adversário ao chão. Jovem herói local, incendiou a plateia.
– Dale, Mariachi – berravam todos a cada investida do rapaz.
Então se elevou na atmosfera tensa e incandescente uma voz diferente, uma vozinha aguda, infantil, de um menino talvez de seis anos.
– Dale, tio!
El Mariachi ganhou por poucos pontos de diferença. Eu esperava uma vitória por unanimidade. Resolvemos ir embora. O controlador de ingressos tentou nos impedir. A vendedora de tíquetes nos viu e resolveu interferir:
– Por que vão embora?
– Está tarde.
– Mas vão perder Maravilla Martinez!
– Ele luta ou só se apresenta?
– Por supuesto que luta. É a próxima peleia. Pega o Matias.
Fomos até a calçada. Corria uma brisa agradável na rua. Os cassinos estavam abertos. Por que não ir à beira do Prata? O passado me fez voltar a tempo de ver Maravilla Martinez subir ao quadrilátero. Era ele mesmo. A luta, porém, era de exibição. Golpes quase em câmera lenta. Na saída, um velho de boina basca comentava com um exaltando torcedor de Maravilla:
– Ele se aposentou. Agora é humorista de stand-up.
*
No ringue brasileiro, o trabalhador beija a lona com a reforma da Previdência do banqueiro Paulo Guedes. Trata-se de um achatamento violento dos benefícios. Os pobres vão a nocaute.