Sérgio Moro x Lênio Streck: confronto de titãs

Sérgio Moro x Lênio Streck: confronto de titãs

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Fui a São Paulo, na sexta-feira passada, participar como palestrante do 21º Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Falei na mesa sobre “Movimentos populares na mira do sistema penal”. Depois, aproveitei para assistir ao embate argumentativo entre o juiz Sérgio Moro e o procurador gaúcho aposentado e professor Lênio Streck sobre a Lava-Jato. Um duelo de titãs. Lênio citou Shakespeare, Medida por medida, a comédia em que o genial dramaturgo fala de corrupção, império da lei e subjetividade dos juízes. Moro respondeu com Charles Dickens e a metáfora dos três natais (passado, presente e futuro), que poderiam, talvez, explicar a decisão de um criminoso de virar colaborador.

Lênio atacou o subjetivismo dominante que leva o direito a ser aquilo que o juiz decide. Cobrou critérios claros que possam ser aplicados por qualquer juiz da mesma forma. Condenou o ativismo jurídico e o excesso de liberdade interpretativa. Defendeu que se deve julgar por princípios e não de olho nas consequências. Não se deve condenar por que a sociedade está pressionando, mas para cumprir a lei. Brilhante como sempre, Streck enfrentou um dogma jurídico: a livre apreciação da prova pelo juiz. Para ele, essa apreciação deve estar delimitada por critérios rigorosos de análise. Entregar tudo à convicção do julgador, valoriza o subjetivismo. É o famoso “entendimento”, que muda com a cabeça de cada juiz. Abordando um caso da Lava-Jato, Lênio Streck criticou o uso da prisão cautelar como instrumento para forçar delações e também a manutenção de alguém preso por mais de 500 dias sem condenação para horror da defesa.

Sérgio Moro, recebido friamente, arrancou aplausos finais. Oito patrocinadores– advogados irritados com os métodos da Lava-Jato – boicotaram o evento. Moro situou a colaboração premiada a partir do caso do assaltante americano de trens Frank James, no século XIX. Na ocasião, Dick Liddil, comparsa de James, foi usado como testemunha contra seus comparsas em troca de benefícios de pena. Depois, amparou-se em Dickens. Um delator talvez se motive pela nostalgia de um Natal passado com a família, ou pelo fantasma de um Natal presente perdido por causa de uma prisão cautela, ou pelo medo de uma condenação que o arranque do convívio familiar num Natal futuro. Moro recusou qualquer atropelo ao direito de defesa, insistiu que a maioria das delações foi obtida com pessoas em liberdade, lembrou dos processos por corrupção que nunca tinham fim nem condenações e rotulou os argumentos de muitos advogados como preconceito em relação ao instituto da delação ou colaboração premiada. Rebateu quase tudo.

Até a crítica a uma prisão cautela de 500 dias. Afirmou que o prisão seguiu o princípio legal da razoabilidade e que a pessoa continuou presa por ter sido objeto de três processos e já ter sido condenada em dois. Lênio condenou o “realismo” jurídico, esse pragmatismo para dar resposta ao clamor das ruas. Moro, sem o mesmo brilho, rejeitou as argumentações retóricas.

Um duelo emocionante.

 

 

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