Só a felicidade interessa

Só a felicidade interessa

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Para mim está muito claro: a felicidade é a única questão séria de uma filosofia relevante do século XXI.

O resto é academicismo, jogo de erudição.

Uma filosofia consequente pergunta: o que é o conhecimento? Quem somos? Como provamos que provamos o que sabemos? O que é a felicidade? Durante muito tempo, porém, a questão da felicidade foi esquecida. Parecia singela demais para especulações filosóficas maiores. A autoajuda apropriou-se do tema. Evidentemente que fazer uma filosofia da felicidade não é dar receitas de como ser feliz. Mas também é uma questão prática.

O que significa falar da felicidade em filosofia? Antes de tudo, como devemos viver. O que é viver bem? O que é o bem viver? O relativista ingênuo dirá que para cada pessoa é diferente. Será? Temos sete bilhões de possibilidades de bem viver? Como não vivemos sozinhos, por mais que queiramos isso, o viver bem passa pela convivência com os outros. O mundo é um condomínio ou uma federação de condomínios. Metáfora rasteira? Talvez. Limitada como toda metáfora. Resta o principal: a necessidade de regras e de alguns valores compartilháveis. Há, porém, quem não se adapte.

O que disseram sobre a felicidade os grandes pensadores ao longo do tempo: de Sócrates e Confúcio, passando por Agostinho e Kierkegaard, cada qual no seu tempo, cada um com suas preocupações, até os nossos dias? Fui verificar, reler, comparar. Depois do exame detido de 50 nomes, selecionei 35 para um livro, “Ser feliz é tudo que se quer”, que será lançado neste domingo, a partir das 10 horas da manhã, na banca do Zé, no brique da Redenção. Gosto de estar ao ar livre. Permito-me uma pequena vaidade. Cantarolar com Milton Nascimento: “Todo artista tem de ir aonde o povo está”. Já disse isso. Eu me repito. Tenho as minhas obsessões e sonhos.

Jean-Paul Sartre, que encantou o mundo com seu existencialismo de cafés, tratados filosóficos, peças e romances, escreveu: “o homem nada mais do que aquilo que ele faz de si mesmo (...) aquilo que se projeta no futuro (...) Um projeto que se vive a si mesmo”. Albert Camus, seu amigo-inimigo, foi mais pragmático: “Não gosto nem da facilidade, nem do romantismo. Gosto de compreender. Pois bem, reparei que em certas pessoas da elite há uma espécie de esnobismo espiritual em acreditar que o dinheiro não é necessário à felicidade. É bobagem, está errado e, de certa forma, é covardia”. Camus aceitou o Nobel da literatura. Sartre recusou.

Cícero refletiu: “Uma vez liberada a alma, se posso dizer, das obrigações da volúpia, da ambição, das rivalidades e das paixões de toda espécie, as pessoas tem o direito de se isolarem para viverem enfim, como se diz: - consigo mesmas!” Isso não significa sozinhas, mas conforme o que julgam melhor para elas sem a constante pressão do julgamento alheio.

Um dos discursos mais felizes, noutro sentido, de Cícero foi contra Catilina. Quem não ouviu ou leu um pedaço? “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? (...) Não sentes que os teus planos estão à vista de todos?”

Grandes ideias – Marco Aurélio, que nas horas vagas foi imperador de Roma, não se constrangia de ensinar a viver: “Não consumas a parte da vida que te resta fazendo conjecturas sobre outras pessoas, a não que teu objetivo aponte para o bem comum, porque certamente te privas de outra tarefa. Ao querer saber, ao imaginar o que faz fulano, e por que, e o que pensa, e o que trama e tantas coisas semelhantes que provocam teu raciocínio, tu te afastas da observação do teu guia interior”. Vive a tua vida, cara. Não gasta o teu precioso tempo te comparando com os outros ou te maldizendo por não ter o que eles têm salvo quando se trata de denunciar a injustiça social. O homem justo não se exime, não se esconde, não foge da luta.

Ser feliz é tudo que se quer.

A expressão, como todo gaúcho sabe, está numa bela – para mais a mais bela – canção de Kleiton e Kledir Ramil.

A reflexão sobre a felicidade não cabe exclusivamente nos livros.

Os gregos filosofavam na rua, na chuva e na fazenda. Ah, não, isso é uma letra de música brasileira. Com eles era na rua, na ágora, no jardim, no portão, no tonel, em qualquer lugar, com chuva ou sol. Aristóteles mandou bem: “Parece que a felicidade, acima de qualquer outra coisa, é considerada como um bem. Ela é buscada sempre por si mesma e nunca no interesse de uma outra coisa; enquanto a honra, o prazer, a razão, e todas as demais virtudes, ainda que as escolhamos por si mesmas (visto que as escolheríamos mesmo que nada delas resultasse), fazemos isso no interesse da felicidade, pensando que por meio dela seremos felizes. Mas a felicidade ninguém a escolhe tendo em vista alguma outra virtude, nem, de uma forma geral, qualquer coisa além dela própria”. E ou não é tudo?

Como estou de aniversário dia 29 de janeiro, decidi comemorar no domingo, com algum leitor corajoso, no brique da Redenção. A minha felicidade obviamente estará na companhia dos destemidos no lançamento.


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