Sartre em Ipanema

Sartre em Ipanema

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O Rio de Janeiro continua lindo. Passei o final de semana lá. É um lugar, como se sabe, informal. No ônibus de Juiz de Fora para o Rio tudo já se mostra acelerado. Entra uma jovem com um rechonchudo bebê.

– Você anda com ele assim por aí? – pergunta uma senhora.

– É que me separei hoje – diz a moça.

– Está fugindo de casa? – dispara a senhora.

– Sou chilena – informa a jovem mãe. – Ele assinou uma autorização para eu levar o menino. Não quer filho nem nada. Só quer cachaça.

Conta a vida na viagem. Todo mundo se interessa. Cada um faz uma pergunta. Corta para o táxi até hotel em Ipanema. Motorista discursa:

– Botaram os intelectuais no poder. Deu M. Botaram os operários no poder. Deu M. agora vai o maluco mesmo. Talvez dê certo. O Trump, que todo mundo esculhambava e que faz suas gafes, está indo muito bem. O homem sem trabalho e sem dinheiro não é ninguém. O resto até passa.

Liga o rádio depois de esgotar o seu comunicado de boas-vindas. Um economista em tom jovial ensina “para a galera” as vantagens do liberalismo econômico sobre a perspectiva estatizante da esquerda. Vai de François Quesnay a Paulo Guedes passando por Adam Smith. Hotel no Posto 9. De cara para o mar. A atendente é gentil. Não poupa erres e esses. É de Honório Gurrrrgel. Informa, depois de alguns minutos de espera e preenchimento anacrônico de papel, que podemos sorrir:

– O seu apartamento está sendo finalizado.

– Beleza. Em qual andar?

– Ainda não sabemos. Vai ser o que liberar.

Rimos. Pedimos para deixar a bagagem. Vamos almoçar enquanto o quarto ainda não liberado é finalizado. O rapaz tem um problema. Perdeu as etiquetas. Procura o colega, que saiu. Na falta de outra saída, improvisa com uma tesoura uma etiqueta sob medida para nós.

A vida flui. Salvo o trânsito. A polícia tranca três pistas no domingo à tarde para uma batida próximo ao aeroporto Santos Dumont e faz gente perder voos. Improvisa-se uma solução, em casos extremos, para o dia seguinte. A política fascina os cariocas. Em disputa pelo governo do Rio de Janeiro um ex-prefeito que, segundo os críticos, mora nos Estados Unidos, onde pagaria dez mil reais por filho na escola, e um ex-juiz que aparece em vídeo ensinando atalhos para abocanhar todos os auxílios possíveis do judiciário. Fake news? Como sempre, nada ilegal. Imoral? Isso é obviamente subjetivo. Vasco e Botafogo namoram o rodapé da tabela. O Mengão está lá em cima. Pouco sol. Carioca detesta tempo nublado e sinal fechado. Eu também. E tu?

Aproveitei o tempo. Reli “A idade da razão”, de Sartre, nas areias de Ipanema. A questão do livro é provocativa: somos livres para escolher? É um romance atual. Começa com um problema em pauta: deve-se ou não fazer aborto quando não se esperava nem queria filho? Na Zona Sul carioca, barulhenta manifestação em favor de Jair Bolsonaro. No avião de volta, casal de camiseta pró-capitão. E o pessoal de Fernando Haddad? Aos cochichos. Vale como pesquisa Ibope? O Rio de Janeiro continua lindo. Nunca vi tanta polícia na praia. No intervalo, fiquei sabendo que se pode fechar o STF com um cabo e um soldado. É simples.

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