Sensação de dever cumprido

Sensação de dever cumprido

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Chego ao final de mais um ano com a sensação do dever cumprido. Terrível dever de falar constantemente da podridão do Brasil. Imensa tarefa de explorar cada contradição dos agentes públicos. Não pretendo ter feito mais do que outros, nem muito menos. Não me gabo. Constato. O mais difícil é seguir o próprio norte em meio aos ventos que empurram numa única direção. O ano de 2016 foi avassalador. Ano da corrupção, do oportunismo, das delações, dos golpes, das indignações seletivas e dos paradoxos. Não me lembro de outro ano tão lamentável.

O país chegou ao final do ano extenuado e precisando de um novo pacto social. O melhor seria uma nova eleição direta para a presidência da República e para o Congresso Nacional. Essa possibilidade é remota. Aqueles que tomaram o poder pelo atalho não abrirão mão do espaço conquistado. Vivemos uma profunda crise de legitimidade. Os novos donos do poder, aliados até ontem dos velhos, não se importam. Aproveitam para impor reformas que não conquistariam o apoio da maioria dos eleitores nas urnas. Não tenho dúvida: 2016 foi o ano dos governos medíocres.

Termino 2016 com o senso comum fervilhando na cabeça: todos iguais. Mas uns mais iguais do que os outros. A mediocridade nos corroeu em todos os andares. Ela esteve sempre aliada ao oportunismo e ao corporativismo. O judiciário brilhou nesse quesito. Sempre querendo mais do que os outros. Executivo e legislativo não ficaram muito atrás. Os políticos viram a população perder toda a confiança neles. Não se abalaram. Renan Calheiros foi salvo pelo STF e se manteve à frente do Senado da República apesar da sua biografia pouco republicana. O combate à corrupção saiu das ruas quando se instalaram no poder suspeitos de corrupção confiáveis.

Os personagens do ano de 2016 que ficarão em minha memória chicoteada por tantos escândalos são Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Renan Calheiros, Romero Jucá, Antony Garotinho, esperneando para não ser levado à prisão, Marcelo Odebrecht, Aécio, Lula, Dilma, Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e outros ligados à Lava Jato. O mico do ano foi o PowerPoint de Dallagnol, uma tentativa de transformar suposições em provas. O troféu sinceridade fatal vai para o gaúcho Giovani Feltes – vamos parar de hipocrisia, todo mundo pratica caixa dois e anjo não se elege nem em Carlos Barbosa – e para o ministro Luís Fux, do STF – direito é o que os tribunais decidem que é.

Termino o ano com a sensação de ter aprendido mais do que nunca sobre maquinações, armações, hipocrisia, firulas jurídicas, pretextos, interesses e jogos de poder. Aprendi em 2016 que por décadas ainda o Brasil continuará sendo o país dos homens brancos, ricos, bacharéis, coronéis e doutores de verbos enrolados. Chego ao final de ano impressionado com a violência urbana. Nunca nos sentimos tão inseguros. Nunca houve tanto medo.

Já vai tarde esse ano de 2016.

Ainda não acabou.

Ano do Internacional rebaixado para a segunda divisão. Se fosse só isso, seria pouco. O pior vem aí: as reformas trabalhista e da Previdência. Depois, se duvidar, virá a revogação da Lei Áurea. E se precisar voltará o chicote.

Sensação de dever cumprido.

Jornalismo é, como diz a célebre frase, publicar o que alguém gostaria de esconder.

Mais do que isso: é criticar aquilo que assessores e governos adorariam silenciar e elogiar tudo o que for bom, especialmente aquilo que não encontra espaço para se tornar visível por força da mediocridade dominante.

Que venha 2017!

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