Sinais da barbárie

Sinais da barbárie

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 O fascismo, na acepção ampla do termo, começa quando a razão cede lugar à violência como forma corriqueira de “argumentação”. O Brasil chegou ao fundo do poço. De novo? Profundamente. Três episódios sinalizam o mergulho na barbárie: o assassinato da vereadora Marielle Franco e do seu motorista, no Rio de Janeiro, as ameaças ao ministro do Supremo Tribunal Federal Edison Fachin e à sua família e os tiros contra os ônibus da caravana do ex-presidente Lula. Pulamos no abismo.

O presidente Michel Temer vem brincando com fogo num momento em que cada fagulha produz incêndio. Em palestra na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio), em São Paulo, sugeriu que não houve golpe em 1964: “Em 64 novamente o povo se regozijou, porque, novamente, uma centralização absoluta do poder que, mais uma vez, durou de 64 a 88. É interessante quando se diz "ah, mas não houve golpe de Estado. Houve um desejo de centralização". A ideia do povo era de que deveria haver uma concentração do poder, como houve nesse período todo".

O raciocínio é obscuro. Muita fala, pouca luz.

O constitucionalista Temer sustentou que o povo tudo pode contra a Constituição? “A nossa Constituição, que refundou o Estado brasileiro, é categórica: ou seja: todo poder emana do povo (...) Somos autoridades constituídas. Não somos autoridades diretas. O povo nos constitui como tais e, portanto, devemos ser sempre instrumento da vontade popular, porque exercemos mandatos meramente transitórios". O que terá Michel Temer querido dizer como “não somos autoridades diretas?” Que se pode chegar ao poder por vias indiretas? Que o povo pode interromper um mandato que ele constituiu por via eleitoral?

Quando a caravana de um ex-presidente é alvejada a tiros algo se quebra na ordem institucional de um país. O ódio é a marca do fascismo. Quando uma vereadora é assassinada, justamente no momento em que ataca desmandos praticados em série, a anomia já se instalou. Quando um ministro da suprema corte é ameaçado por causa das suas posições jurídicas o último passo na direção do precipício foi dado. A mídia tem algum papel nisso tudo? A Folha de S. Paulo, na sua versão online, publicou depois do atentado contra os ônibus da caravana de Lula a seguinte manchete: “Ataque infla tese de que Lula é alvo de caçada”. Façamos uma breve análise de discurso. O que diz essa ideia?

Infla a tese? O verbo “inflar” sugere um crescimento artificial. A palavra “tese” remete a algo duvidoso. Ser alvo de tiros infla uma tese ou mostra uma realidade ainda que pontual e não necessariamente aplicável a outros campos? Essa manchete não é exatamente o que se chama de manipulação midiática? O texto acrescenta que o ataque inflou o discurso de que Lula “é vítima de uma caçada antidemocrática”. Ser alvo de tiros traduz ou não uma caçada? Faz parte da democracia? Queimamos uma etapa. O pior desponta como uma possibilidade concreta. Quando tanques na rua para derrubar um presidente legalmente constituído não representam mais um golpe, tudo passa a ser permitido.

 

 

 

 

 

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