Soberba guasca

Soberba guasca

Estereótipos desde os tempos de Machado de Assis

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      Prefiro, claro, o Rio de Janeiro a São Paulo, que é uma cidade horrenda, embora o Rio tenha hábitos políticos estranhos. Onde encontrar um filé à Osvaldo Aranha? Onde amarrar nossos cavalos em obelisco? Paulistas e cariocas, com a permissão para uma generalização bem-humorada, são bacanas, como eles dizem, mas adoram estereotipar os outros, inclusive ou especialmente nós, os discretos gaúchos. Cariocas se generalizam quando dizem coisas assim: “Carioca não gosta de dia nublado”. O papo é o seguinte: cariocas e paulistas até em imagens de intervalos de jogos do Brasil em Copa do Mundo nos mostram de bombacha e com cavalo. Ficam mais interessados no acampamento farroupilha do que em nossa Feira do Livro. Quando nos veem, já vão imitando:

– Bah, tchê!

      Eles acham que não têm sotaque. Paulista se vê como universal. Carioca, como centro de tudo. E nós é que somos bairristas. Eles não entendem como preferimos Grêmio e Internacional a Flamengo e Corinthians. Acham estranho que tenhamos mais interesse em assuntos de proximidade do que nos seus temas, que não veem como locais. Vem de longe essa dinâmica. Bastar ler “O gaúcho”, de José de Alencar, para se ter certeza de o que o tipo retratado não é daqui. Quando eu escrevia para a revista paulista Placar, os editores queriam expressões como arquirrivais para Grêmio e Inter e centauros dos pampas. Esse olhar bizarro e condescendente é velho como folhetim.

      Fernanda, personagem de Machado de Assis em “Quincas Borba”, é natural de Pelotas, o que lhe vale ser chamada de “soberba guasca”. Ela queria casar o primo Carlos Maria com uma amiga pelotense. O rapaz não se mostra interessado. Fernanda exclama: “Recusa então a minha guasca?” Cheguei a conjecturar que paulistas e cariocas nos considerassem meio bobos. Descartei essa hipótese diante dos fatos: adoravam Getúlio Vargas, que reinou no Catete por longo tempo, e elegeram Leonel Brizola governador do Rio de Janeiro duas vezes. Quanto aos paulistas, o buraco é mais embaixo. Apeados do poder em 1930, só voltaram e eleger um presidente brasileiro, não um vice ou um apaulistado, em 2018. Ainda assim, morador da Barra da Tijuca.

Isso deve ter deixado marcas. Somos guascas e soberbos. Não levamos desaforo para casa. Quando levamos, ficamos com o negócio engasgado. Não deve ser fácil nos suportar? Por bem e por mal. Quantos ditadores impusemos ao país? Os fardados que não eram daqui foram formados aqui. Alagoas tentou emplacar o nosso primeiro ditador, Deodoro da Fonseca. Não deu certo. O segundo alagoano, Floriano Peixoto, teve mais êxito e derramou mais sangue. O terceiro, Collor de Mello, não foi ditador nem alagoano. É carioca. Como o primeiro, não terminou o mandato. Deodoro proclamou a República e tentou um golpe contra ela. Collor desconheceu o comportamento republicano. Nós, gaúchos, não fazemos nada pela metade. O Inter, no último título do Brasileirão, não perdeu para ninguém. Só Porto Alegre tem cem por cento dos seus grandes clubes campeões mundiais. Soberba guasca.


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