Sobre a favelização do centro de Porto Alegre

Sobre a favelização do centro de Porto Alegre

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Minha coluna no Correio do Povo de outro dia sobre a favelização da zona central de Porto Alegre provocou polêmica. Recebi muita mensagem. Uma parte me apoiou com argumentos do tipo “temos de retirar a marginália das ruas”. Outra parte me atacou com os argumentos do tipo “estás querendo higienizar Porto Alegre e eliminar os pobres do teu jardim”. A primeira parte carregou nas tintas contra drogados e vagabundos que rejeitam albergues, moradias populares e empregos para permanecer onde estão. A segunda parte garante que é ilegal querer tirar os moradores de ruas de onde eles se sentem bem. Afirmam que, se a sociedade tem miseráveis, esse é um problema de todos. Seria egoísmo querer tirar o barraco do morador de rua da frente da sua casa.

A parte que me apoiou com argumentos extremos sustenta que os cidadãos que pagam impostos têm direito a não querer uma favela na frente de casa. A parte que me atacou com argumentos extremos defende que essas pessoas não têm escolha, salvo quando escolhem ficar onde estão, mas, mesmo isso, seria mais um desespero do que uma manifestação de livre arbítrio. Querer mandar essas pessoas para a periferia, até mesmo em casas populares, revelaria um enorme preconceito. Não seria um preconceito com a periferia? Entende-se que os poderes públicos oferecem lugares na periferia por serem economicamente mais acessíveis até para quem deverá pagar a conta.

Uma terceira corrente de mensagens faz perguntas: qual direito deve prevalecer: o dos moradores de rua, que não querem sair de onde estão, ou o dos moradores que não querem ter barracos na frente de casa? Querer tirar os barracos da frente de casa transforma a pessoa num terrível direitista ou numa pessoa moralmente inferior? Eu mesmo me faço uma pergunta: por que tem barracos e barracas no canteiro da Ramiro Barcelos, mas não tem na pracinha da Encol ou no Moinho de Vento? Um amigo me garante que a resposta é simples e conhecida: “Na Encol e no Moinhos de Vento o Estado funciona”. Fico com outra pergunta: por que o Estado funciona lá e não na Ramiro Barcelos ou na frente da Rodoviária? Será que algum morador influente de lá telefona para o prefeito ou para o comandante da Brigada Militar e providências são tomadas rapidamente? Em alguns ruas, guaritas foram instaladas e vigilantes particulares de apito na boca afastam os indesejados.

Indesejados? Palavra terrível. Será a minha confissão de que me transformei num fascista determinado a caçar mendigos? Há alguns meses, moradores da rua defecavam toda noite no exato ponto onde eu passo às sete e meia da manhã, na esquina da Ramiro com a Protásio Alves. Sob a marquise da ótica, atrás da coluna, era o banheiro. Eu devia entender a situação, mas não gostava de ver aquilo. Sinto culpa. Um morador de rua ganhou emprego, mas desistiu. Gosta mais da vida no canteiro. O que fazer? Um amigo pragmático aconselha: “Muda. Centro é centro. Ainda mais com hospital. Só vai piorar”. Se reajo, sou preconceituoso. Se aceito, sinto-me refém.

A solidariedade com a terrível vida dos outros deve me fazer mudar de mentalidade?

Tomara que eu consiga, pois é alternativa mais prática para o meu caso.

 

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