Socialismo à brasileira

Socialismo à brasileira

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Singularidades brasileiras

 

      O brasileiro é antes de tudo um fanfarrão que sempre falha na hora agá, mas comemora como um feito só seu. Trata como gol. Orgulha-se de exclusividades que não possui como a palavra saudade. Só existe em português? Claro que não. Em outras línguas saudade tem outro nome como tantos outros termos ou não haveria necessidade de tradução. Em francês, é “nostalgie”, que não pode ser confundida literalmente com a nossa nostalgia. Dependendo do contexto “nostalgie” quer dizer nostalgia ou saudade. Brasileiro orgulha-se da jabuticaba como se outros países não tivessem frutas só suas. Brasileiro orgulha-se negativamente de suas leis que não pegam, da sua corrupção inigualável, dos seus políticos canalhas e da sua liberdade ideológica. Aqui, ser de esquerda não significa opor-se à direita.

Não sempre, ao menos. Se for o caso, diz-se que não há mais direita nem esquerda. Quando conveniente, critica-se a esquerda em nome do indiscutível fim das ideologias. Será que marxistas (está provado que eles existem) estadunidenses – meus leitores mexicanos não querem mais que eu use norte-americano para falar dos eleitores de Donald Trump – pensam em entrar no “tea party”, a ala mais conservadora do Partido Republicano, aquela que vê Trump como quase esquerdista? Será que os desarvorados militantes do Partido Socialista Francês, surrados cruelmente na última eleição, especulam ingressar na Frente Nacional de extrema-direita de Marine Le Pen? É verdade que os alemães inventaram o nacional-socialismo. Só poderia acabar mal.

O Partido Socialista Brasileiro enfrenta uma situação singular: parte dos seus efetivos eleitos quer migrar para o DEM, sigla liberal e conservadora oriunda do PFL, que nasceu de uma costela quebrada da ARENA, o pilar da ditadura midiático-civil-militar que torturou o país. O ex-deputado Beto Albuquerque, vice-presidente nacional do PSB, reagiu com estupefação: “Estar no PSB e flertar com o DEM é uma esquizofrenia". É um diagnóstico perfeito. O que fazer? Internar ou tentar controlar o surto em casa com medicamentos? Um analista político comentou com a maior naturalidade, porém, que os migrantes de hoje são os mesmos que no passado não muito distante saíram do DEM para entrar no PSB. Ideologicamente DEM e PSB estão tão próximos quanto gremistas e colorados compartilham a mesma paixão clubística.

Outra hipótese é que o brasileiro e suas singularidades nada têm com isso. Nessa alternativa, bem pensado mais realista, os deputados do PSB que querem ir para o DEM não passam de oportunistas sem qualquer ideologia ou ética. Deles ninguém deve sentir saudade nem “nostalgie”. Também não se deve insultar os esquizofrênicos comparando-os com esses políticos voláteis que não sofrem pelo que fazem nem sentem pelo que causam. Se é possível saltar do PSB para o DEM sem qualquer constrangimento, como alguém que passa do vinho à cachaça na mesma noite sem temer a dor de cabeça, então tudo está permitido. Só não se peça fidelidade ao eleitor. Nem fé na política.

 

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