Somos todos vulneráveis

Somos todos vulneráveis

Mas uns são mais do que outros?

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      Li em algum lugar que o coronavírus democratizou a sensação de vulnerabilidade. Diante dele somos todos vulneráveis. Mesmo assim, uns morrem mais do que outros. Morrem mais os vulneráveis de sempre. Há quem possa mandar fabricar o seu respirador e quem morra sem ter acesso a um leito de UTI. Só que contra o coronavírus não adianta contratar guarda-costas. Uns, porém, isolam-se em mansões e outros em moradias de peça única onde vivem vários familiares. A doença amplia as diferenças de classe. Talvez o que se queira dizer é que, pego o vírus, tudo pode acontecer a qualquer um, de um caso leve a uma situação muito grave.

      Somos todos vulneráveis? Há quem se sinta, como sempre, invulnerável. São os que se amontoam em festas, praias e lojas. Que pressa de jogar bola na areia! Que urgência é essa de comprar uma roupa nova? Que ânsia de se jogar numa balada. O técnico do Grêmio, Renato Portaluppi, mostrou a sua face invulnerável jogando bola na praia, no Rio de Janeiro, depois de ter insinuado greve se os jogos não parassem e de ter sido dispensado dos treinos pelo seu clube, podendo ficar no Rio, por ser do grupo de risco em razão de problemas cardíacos. Grande jogador e treinador competente, Renato tem suas recaídas brasileiras. O jogador Honda, estrangeiro no Botafogo, pediu que lhe expliquem o “hospício Brasil”. Ainda não apareceu quem possa lhe dar uma resposta.

      É possível entender a inquietação de cada um, a dificuldade de ficar preso em casa, o desejo incontido de respirar o ar das ruas, a questão econômica. O vírus, contudo, não se revela na volta da esquina. Onde está? A Alemanha tomou as medidas corretas contra a pandemia e obteve bons resultados. Reabriu e já enfrenta um ressurgimento perigoso de casos positivos. No “hospício Brasil”, na contramão do mundo, a abertura começou com a curva de contaminação em alta. Por que insistimos em ser tão diferentes? Por que nos sentimos invulneráveis apesar dos óbitos que nos enlutam e fragilizam a cada dia mais?

      O Hospital de Clínicas de Porto Alegre pede socorro. Pode colapsar em breve sem o número de infectados não desacelerar. Precisaria ter mais médicos. Não há profissionais disponíveis para contratar. Parte do pessoal da linha de frente adoeceu. A estrutura roça o limite. Enquanto isso tem festa em lancha nas águas do Guaíba. Políticos condenam políticas rígidas de isolamento social. Dirigentes esportivos gritam pela volta dos treinamentos e do futebol. Prefeitos rebelam-se contra o bom do senso do governador do Estado, que, acossado, cede quando não deveria. Os invulneráveis são perigosos. Nada temem. Tudo arriscam. Como não veem o vírus, relativizam o perigo.

      Já tivemos de tudo, de previsões furadas sobre o número de vítimas até apostas em remédios que não deram resultado. Nada parece ser capaz de frear os invulneráveis. Diante do vírus, somos todos vulneráveis. Salvo aqueles que se consideram blindados pela inconsciência. Valeria estudar seus cérebros em laboratório. A lei deles é “cada corra o perigo que quiser”. E o perigo para os outros?


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