Surpresas com Sartori?

Surpresas com Sartori?

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SURPRESAS SURPREENDENTES

Por Eron Duarte Fagundes

Como um espectador do mundo há mais de sessenta anos, eu me surpreendo com a surpresa dos outros. A surpresa dos jovens, tudo bem: ainda não viram nada. Mas pessoas velhas como eu, já era para terem aprendido com o cansaço do olhar.

Duas surpresas me apanharam de surpresa esta semana. Uma delas, de meu microcosmo. Soube que no Jurídico da estatal de energia elétrica do Rio Grande do Sul (a CEEE), onde trabalhei por 41 anos, emitiram um boletim das demandas judiciais contra a empresa, revelando surpresa e preocupação com o crescimento destas ações este ano. Histórico: em 28 de março de 2016 cerca de quase duzentos empregados foram desligados, pela questão da idade e por já estarem aposentados pela Previdência Social. O que esperavam? Que as pessoas deixassem por isso mesmo e que na terça parte final de suas vidas rasgassem dinheiro? Em que mundo estes sabichões da CEEE vivem, são incautos demais ou se fazem? O mundo não é feito de cordeiros nem de escravos: embora historicamente o homem tente escravizar o homem. No lugar de se espantar com o possível prejuízo da empresa daqui a alguns anos, e recorrerem ao clichê muito usado por certos jornalistas, como Rosane de Oliveira, de que o que há na Justiça do Trabalho é uma indústria de ações trabalhistas, quem sabe estes luminares do Direito na CEEE não acham uma forma legal de fazer algo quase inédito no Brasil: responsabilizar financeiramente os gestores por estes prejuízos antevistos?

Mas esta surpresa é bastante menor diante da outra, mais abrangente. Afinal, os eletricitários (gente que trabalha em empresa de energia elétrica) somos arraigadamente tolos e qualquer anedota circula facilmente como verdade. O que mais me estarreceu esta semana, e também nestas semanas todas do governo Sartori, é a surpresa geral com a violência a que se chegou no Rio Grande do Sul e sobretudo na capital dos gaúchos. Alguém pensava que Sartori faria um governo muito diferente do que estamos vendo? Alguém acreditava mesmo que ele tinha um plano de governo, qualquer plano? Vamos evocar os debates, que eu acompanhei espaçada e distraidamente, mas que já foi suficiente para perceber tudo: sempre que Sartori era apertado por seu adversário Tarso Genro ou algum jornalista a especificar concretamente seu plano sobre algum item (algo que exigisse conhecer os mecanismos de Estado para fazer uma determinada ação), ele se perdia. Tarso tinha seu plano: podia ser discutível e até amorfo e não resolver nada em muitos casos, mas sabia o que fazer. Sartori não tinha a menor noção do que poderia fazer ao sentar-se na poltrona de governador; sua inércia por estes meses todos o provam indelevelmente. E vamos combinar: a crise econômica não explica nem um terço do que se está vendo; as piadas de Sartori o explicam mais: despreparo.

Surpreende-me que as pessoas de hoje se surpreendam com coisas muito esperadas pela lógica dos acontecimentos: caindo de maduro, como diziam os antigos. É verdade, há um detalhe perverso nos últimos fatos: foi preciso que uma mãe fosse assassinada na frente dum colégio de classe média alta para que um Secretário de Estado caísse e o governador abandonasse seu semblante de piadista e seu rosto ficasse tétrico para as lentes da mídia. O detalhe perverso: o meio, a classe média alta.

Duas sobrinhas minhas estudaram no colégio onde se deu o homicídio. Meu irmão as levava e buscava durante mais de uma década. Minha sobrinha Natália Fagundes, que mora há alguns meses em Belo Horizonte, anotou em seu perfil no facebook, depois de aludir aos vários cenários por onde ela circulava em nossa cidade e onde diversos atos de violência têm ocorrido por aqui nos dias recentes: “Mas hoje morando longe e vendo tudo isso bate uma tristeza pelo lugar que morei por tantos anos e um medo pelos parentes e amigos que moram lá. Porto Alegre já foi tão bom viver e agora parece pesadelo.” Os que vivem longe da cidade, como Natália, se desolam; nós, que aqui estamos, podemos amedrontar-nos, e não há outra saída. Mas não temos o direito de pensar que esta escalada da violência não era uma possibilidade bem concreta do desgoverno Sartori. Sartori não me surpreendeu; tem feito o que sua campanha lá atrás indicara: nada, senão estar ali e receber seu salário de governador. Um jogador cuja única obrigação é estar em campo: não pelejar, muito menos vencer.

  • Advogado


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