Táxi, uber e novas modernidades

Táxi, uber e novas modernidades

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Eu estava numa bela festa quando, pela meia-noite, decidi voltar para casa. Depois dessa hora, viro abóbora. Um homem na idade da razão, ou já a deixando para trás, deve conhecer os seus limites. Durmo cada vez mais cedo. Segundo tempo de jogo das 22 horas, só se for clássico. Pois, na festa, na hora de ir embora, eu murmurei:

– Vou pedir um táxi.

A minha afirmação repercutiu. Correu, como se dizia antigamente, como um rastilho de pólvora. Um amigo me bombardeou:

– Táxi!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

O número de exclamações era mais longo que o de citações a tucanos e peemedebistas na Lava Jato que não vem ao caso. Tentei reduzir o impacto da reação a uma mera questão de ênfase. Insisti.

– Sim, um táxi.

– Um Uber, é isso?

Táxi é em minúscula. Uber, em maiúscula. No começo, escrevia-se Internet. Assim, com o “i” em caixa alta. Acuado, desconversei.

– É corrida curta – eu disse.

– Táxi é coisa de velho – desferiu meu amigo.

É o pior insulto que pode existir atualmente. Senti a porrada. Tive de me escorar na parede. Velho, eu? Peguei o Uber. Sou mais do que velho. Sou rançoso. Nunca entendi certas coisas: por que serviço de táxi sem licença por telefone era e é clandestino? Por aplicativo, é modernidade. Confesso que tenho dificuldade em aceitar que o motorista, para transportar passageiro de um bairro a outro, pague 20% do seu ganho para uma multinacional. Qual é mesmo o seu ganho?

Se um Uber – e os demais aplicativos – cobra 35% mais barato do que os táxis convencionais, qual a sua margem de lucro sabendo-se que o prestador do serviço entra com o carro, a manutenção, o combustível, a roupa bem passada, as balinhas inúteis e a água? Ou os táxis ganham muito ou o Uber não dá nada aos motoristas? Será um preço de entrada para quebrar a concorrência e depois impor um preço mais alto? E a legislação trabalhista? Já era. O motorista não é empregado, mas empresário. Um drible de Garrincha? Ou a liberdade?

– A concorrência é que vai regular – disse meu amigo.

– Sempre fui a favor de abrir o mercado a quem quiser nele entrar. Bastaria ter um carro em condições, passar numa inspeção e atuar.

– Uber não é táxi. É carona compartilhada – explicou meu amigo.

Adoro ser enganado. Passa o dia transportando passageiro de um lado para o outro. Faz disso uma profissão. Mas não é táxi. Peguei o Uber. Dei o endereço. Num dos ponto mais conhecidos da cidade. A internet não estava funcionando. O motorista saiu para o lado oposto. Enquanto a internet não voltou, avançamos para trás. Mas tinha bala. As modernidades são inquestionáveis. Ainda mais sendo baratas. Outro amigo, não consome glúten. Dá barriga. Numa noite, toma cinco garrafas de vinho. Com muita água. A hidratação é fundamental.

– Sem glúten e com muita hidratação – ensina.

Tenho aprendido muito. O defensor do Uber é pela liberdade de escolha, menos a do táxi. Pegar táxi está praticamente proibido. Salvo para quem tiver personalidade forte a ponto de aceitar ser chamado de velho. Só me resta atacar com uma ofensa incompreensível.

– A modernidade é uma ideologia tecnicista.

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