Tardia homenagem a Morricone

Tardia homenagem a Morricone

Trilhas de uma vida toda

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As nossas vidas têm as suas trilhas sonoras. A minha, quase sempre, é embalada por alguma letra de Belchior. Há outro músico que também povoa o meu imaginário. O meu e o de boa parte da humanidade: Ennio Morricone. Ele morreu neste mês de julho. Rendi minha humilde homenagem a ele revendo filmes com suas trilhas marcantes. Mergulhei em “Era uma vez Oeste”, espaguete de Sergio Leone, e me senti como o guri que fui assistindo às matinês do cinema Internacional, em Santana do Livramento. Quem, da minha idade ou mais, não sentiu arrepios, que se espalhavam pelas noites, quando algo estava para acontecer nos filmes? Pios, acordes melancólicos, sons de expectativa e medo.

 

      Rever “Era uma vez no Oeste” remete a outra lembrança que não se apaga: a paixão infantil e juvenil pela atriz Claudia Cardinale. Para mim, em “O Leopardo” ela aparece como a mais bela atriz de todos os tempos. Exagero? Coisas de um coração adolescente vendo um filme de uma década antes. Já no filme de Leone, musicado por Morricone, a aridez do Oeste obriga o visual dela a não ser tão exuberante. Mas é de Claudia Cardinale ou de Ennio Morricone que trata este texto? Tudo se mistura na mente de quem recorda, ainda mais quando, de repente, a música sobe e cria um clima de angústia e de uma beleza agreste.

      O italiano Morricone compôs mais de 400 trilhas. O seu nome aparece em clássicos como “A batalha de Argel”, “Cinema Paradiso”, “Por um punhado de dólares”, “Kill Bill vol. 2, “Django livre”, “Os oito odiados” e “Os intocáveis”. Quentin Tarantino resumiu: “O Rei está morto. Vida longa ao Rei”. A minha memória afetiva prefere o Morricone dos faroestes. Há poetas que reduzem os sentidos possíveis pelo obscurecimento da linguagem. Outros ampliam os sentidos com uma poesia de descobrimento, trazendo significados à tona. Tudo é bom quando funciona, ou seja, quando algum público adere e aplaude. Morricone, com suas trilhas mágicas, sempre antecipou ou aumentou os sentidos que os filmes pretendiam entregar aos seus espectadores.

      Em tempo, só outra atriz me pareceu quase tão bela quanto Claudia Cardinale num filme: Brigitte Bardot, em “E Deus criou a mulher”. Perdeu por duas polegadas.  Morricone que me perdoe, mas não posso deixar de homenagear a baiana Martha Rocha, que também morreu faz pouco, nesta crônica de nostalgia e de reconstruções narrativas. Qual a mais bela trilha composta por Ennio Morricone? O algoritmo do meu cérebro afetivo trabalha rápido e apresenta orgulhosamente o resultado: aquela espécie de assobio de “Por um punhado de dólares”. Outra matadora é o tema de Deborah em “Era uma vez na América”. Gostos são gostos. Eu acho que D’Alessandro jogou mais do que Hugo de Léon. Mas o uruguaio foi mais importante na vida do Grêmio. Que é isso? Já não controlo a minha mente. Tudo se confunde. Penso como cronista.

      Ennio Morricone deixou o seu obituário pronto. Escreveu: “Só existe um motivo que me faz dizer adeus a todos vocês dessa forma, e é o fato de eu ter decidido que gostaria de ter um funeral privado: eu não queria incomodar”. Sobe a trilha. Era uma vez na música de filmes.


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