Tem cheiro de laranjal, cor de laranjal...

Tem cheiro de laranjal, cor de laranjal...

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Era uma vez um lugar tranquilo onde nada acontecia.

Até que surgiu algo inusitado, digno de romance de realismo fantástico. Conto o que apurei. De longe, parecia um laranjal. Tinha cheiro e cor de laranjal. Mas, como qualquer um sabe, é difícil saber se um laranjal é um laranjal. Depende do ponto de vista. O laranjal do vizinho quase nunca deixa dúvida: é laranjal. Já o da gente sempre provoca incerteza. A situação despertou a atenção de todo mundo: seria ou não um laranjal? A bolsa de apostas de Londres explodiu. Mais de 70% dos jogadores apostavam em laranjal. Ganharia uma fortuna quem apostasse no contrário. Havia quem tivesse certeza de que era um laranjal, mas sustentasse o oposto por questões afetivas e até ideológicas. É incrível como pode haver ideologia em tudo. Até em laranjal. Cautelosos perguntavam: o que é mesmo um laranjal?

A resposta vinha com prudência: um conjunto de laranjeiras. Começava a polêmica: de laranjeiras ou de laranjas? O dono do suposto laranjal de nada sabia. Ou dizia não saber. De onde viera aquele laranjal? Que laranjal? Quem garante que é um laranjal? Que história é essa de laranjal? No meio da confusão, sempre havia alguém para perguntar de modo brusco:

– Quem plantou esse laranjal?

O cara tinha sumido. Prometia aparecer com uma explicação plausível que, obviamente, provaria não ser o laranjal um laranjal. Nem tudo o que é reluz é ouro. Nem todo amarelo é laranja. A história arrastava-se.

A cada dia apareciam novas informações que pareciam confirmar que era mesmo um laranjal.

Apesar disso, ninguém se atrevia a gritar como num desenho:

– Madeira!

O que faz um laranjal ser um laranjal e não outra coisa? A natureza do fenômeno. Quando se espreme, sai suco. Fica o bagaço. Ao longo do tempo, vai pingando. Mas pinga com método, periodicidade, regularidade, padrão. Um aperta, outro recolhe, um terceiro suga. É algo coordenado como uma linha de montagem. Nada se perde. Tudo se aproveita. A cada um conforme as suas possibilidades e responsabilidades. Uma das características do laranjal é a ubiquidade. Palavra difícil? É a capacidade de estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. No exterior e no interior. Longe e perto. Fazendo, não fazendo, desfazendo e refazendo.

Já disse que de longe parecia um laranjal. De perto, também. Mesmo assim seria precipitado tirar conclusões. Em se tratando de laranjal, nunca se deve prejulgar. A complexidade é tamanha que pode induzir a erro. Já se começava a citar Gabriel García Márquez para falar da coisa. Sem a menor criatividade, jornais levianos falavam em “crônica de um laranjal denunciado”. Todo dia havia laranja nova, madura ou verdinha, chupada, de umbigo, lima, da mesma família, de outros tipos, uma loucura. Parte da população incrivelmente parecia não ver o laranjal. Interpelada, regia agressivamente falando de outros laranjais. Um ingênuo ficava perguntando:

– Um laranjal encobre o outro?

Foi assim. O laranjal estava lá. Mas não se sabia se era laranjal.

O laranjeiro – ou seria o laranja? – não estava maduro para aparecer.

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Correio do Povo
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