Teoria do futebol em 1911

Teoria do futebol em 1911

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Sempre iguais

 

      Falemos de outra coisa por algumas linhas. Belchior cravou: “Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos país”. A vida funciona por ciclos. Sempre voltamos ao passado, que é o nosso futuro. Paulo Bonatto me mandou uma cópia de um livro encontrado na biblioteca de uma casa muito conhecida de Santana do Livramento que teve tudo leiloado. A obra se chama “Football, leyes que lo rigen y modo de jugarlo”, de Carlos Sturzenegger, um ex-árbitro, publicada no Uruguai em 1911. É incrivelmente atual. A moda na época eram os termos em inglês. Está voltando. Não dizemos “Champions League” em vez de Liga dos Campeões? Voltaremos a dizer “field” para campo? Veremos. Yes?

O autor argumenta que o futebol deve ser jogado com “arte e ciência”. Nunca se falou tanto da ciência do futebol como agora. O inesperado, o acaso e o improvável devem ceder lugar ao planejamento. O público é criticado naquele começo de século de estádio lotados, em alguns lugares com mais de cem mil pessoas, por se pensar em resultado. Não gostava do jogo, mas de ganhar. Outro aspecto duramente atacado eram os balões dados pelos defensores: “Os torcedores vão se lembrar que o time do Southampton, que tinha uma equipe bastante aceitável, jamais recorria a essa prática, e foi precisamente com seus passes curtos, no chão, que desconcertava e desesperava os nossos jogadores”. O Southampton antecipou o Barcelona de Pepe Guardiola.

O gol para o autor dessa cartilha de um século atrás deveria ser um “mero acidente”, a consequência da dinâmica de jogo, devendo ser o futebol sempre coletivo, inibindo o egoísmo individualista, com o passe predominando sobre o drible. O gol seria o desfecho de uma “máquina”, uma engrenagem matemática de movimentos combinados. Não é isso que se chama hoje de concepção moderna? Sturzenegger defendia o fair-play (olha o inglês aí, gente!), a honestidade e a transparência contra o gosto da torcida por “meios ilegítimos”. A autoridade do árbitro deveria ser absoluta. Um goleiro confessou que a bola entrou, mas se manteve a invalidação do gol para não desmoralizar o juiz.

Nada de muito novo nos “fields”. Criticava-se os árbitros que marcam tudo quanto é falta e impedem o jogo de fluir. Ensinava-se a saber perder. Ninguém ouvia. Sturzenegger defendia a importância do tempo para treinar com método, sem excessos, pois o “treinamento absurdo” levaria ao oposto do desejado. Não se falta modernamente em “destreinamento”? Luxemburgo chama isso de “pijama training”. Outra luta era contra o álcool e o cigarro. Quanto ao jogo, ele pregava a harmonia entre teoria e prática. Criticava jogadores que não guardavam posição e sem disciplina tática. Detonava treinadores sem diversidade de esquemas e recomendava não desistir do jogo antes do apito final.

O futebol de 1911 era tão atual que Sturzenegger escreveu: “Se pode afirmar que tem mais probabilidade de êxito um time composto de jogadores medíocres, mas que combinam, que outro em que todos os jogadores sobressaem, mas que não se entendem entre si”. A essência estaria no passe. O drible seria o recurso extraordinário. A solidez da defesa era tão importante quanto a elegância do ataque. O jogador mais importante era o volante, que deveria saber sair jogando e chegar à área adversária para chutar a gol. Tudo se reinterpreta. É a vida.

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