Thomas Piketty, Karl Marx e o capital

Thomas Piketty, Karl Marx e o capital

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Sou jornalista há quase 30 anos. Comecei no tempo em que só era possível ter boas ideias fumando, gritando e batendo à máquina. Nunca fumei. Falo baixo. Batia com dois dedos. Jamais tive boas ideias. É o que me dizem simultaneamente um fundamentalista de rede social, uma perua de manifestação e um anticomunista de pantufas (o mais perigoso e radical). Aceito as críticas. Quero ser um homem melhor.

– O senhor é burro, safado e comunista – resume o anticomunista de pantufa.

Tenho alguma dúvida quanto à ordem dos fatores.

– Bobo, perigoso e ultrapassado – diz a perua de manifestação (por SMS direto da frente do MASP).

A moda é algo que me preocupa.

– Extremista, censor e fdp – cutuca o fundamentalista de rede social (pelo twitter).

Tudo por causa do economista francês Thomas Piketty. Falei com Piketty. Ele é autor de um best-seller, "O capital do século XXI", o que se presta a uma associação rasteira globalizada: ser chamado de Karl Marx II ou de novo Karl Marx.

– Ele não é marxista – informa o anticomunista de panfuta.

De fato. Marx tinha razão: a história só se repete como farsa. Karl Marx II não é marxista. Mas é de esquerda.

– Como poderia ser de esquerda se não é marxista? – questiona a perua de manifestação.

Eis a hipermodernidade. É possível ser de esquerda sem ser comunista. É possível ser o sucessor de Marx sem ser marxista.

É até obrigatório.

Piketty é próximo do Partido Socialista francês. Critica o comunismo stalinista, defende as virtudes do capitalismo, aposta num Estado interventor, recusa o neoliberalismo e o Estado mínimo, viaja de primeira classe para divulgar o "Capital do século XXI".

– Qual o problema de viajar de primeira classe se ele tem meios para isso e não prejudica ninguém? – indigna-se o anticomunista de pantufa (uma semana antes ele criticava Chico Buarque por ter apartamento em Paris).

É preciso explicar Piketty às crianças e aos fundamentalistas das redes sociais. Karl Marx II, que não é marxista, fica de costas para a luta de classes (executiva versus econômica). Perde-se o bom senso, mas não a associação livre. A perua de manifestação reage furiosa:

– Não entendi a relação. Você é muito burro. Não vê que ele é uma celebridade?

Questão de capital do século XXI.

Admiro Piketty. A tese dele é acachapante: a concentração de riqueza continua aumentando.

O capital especulativo leva vantagem sobre os investimentos produtivos.

Liguei para o celular de Piketty:

– Não ligue assim para o meu celular – ele respondeu.

Não sabia que era mal-educado ligar para celular.

– Mande-me outro e-mail.

Vou mandar. Piketty é o cara. Tem capital. Quando eu crescer, quero ser como como ele.

– Você tem inveja do Piketty, pois é burro, comunista e viaja em classe econômica – diz a perua de manifestação.

Dou o braço a torcer. Blogueiro tem de apanhar. Leva tapa na cara todo dia.

Especialmente quando precisa ser corrigido por não ter explicado a piada.

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