Todos mentem?

Todos mentem?

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      A política alcançou o seu grau máximo de descrédito. Isso tem um preço. Cresce o desprezo pela democracia. Soluções simplistas e perigosas, como as intervenções militares, ganham espaço. Por toda parte, ouve-se o refrão: “todos mentem”. Examinemos algumas situações. Um bloco do centro para a esquerda garante que Jair Bolsonaro representa um perigo para a democracia. Esse bloco inclui os apoiadores de Guilherme Boulos (PSOL), (Haddad/PT), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e até parte do PSDB de Geraldo Alckmin.

Se eles estiverem falando a verdade, por que não se reúnem e decidem racionalmente quem tem mais chances de chegar a um segundo turno e desistem das candidaturas que apenas dividem? Se Alckmin e Bolsonaro forem para o segundo turno a culpa será da divisão da esquerda. Afinal, o que mais importa: um projeto dito progressista para o país ou a vaidade de cada candidato? O bem público ou os interesses pessoais ou partidários? Como entender que haja um perigo identificado como letal e nenhuma providência real para barrá-lo?

Será que, mais uma vez, todas mentem? Num segundo turno entre Bolsonaro e Akckmin, a esquerda terá, se não estiver mentindo, que votar no tucano. Na hipótese de Bolsonaro enfrentar Fernando Haddad, a direita e o tucanato terão de ir com Haddad. Farão isso? Em Porto Alegre, na eleição municipal de 2016, parte da esquerda lavou as mãos no segundo turno entre Sebastião Melo (PMDB) e Nelson Marchezan Júnior (PSDB). Acabou ajudando a eleger, por omissão, aquele que hoje considera como o seu pior inimigo. Segundo turno é para adultos capazes de trancafiar os sentimentos no armário e votar no chamado “menos pior” conforme o ponto de vista de cada um. Só não pode fugir.

A verdade é que a política segue uma lógica antagônica e paradoxalmente complementar: o interesse público e a lógica individual de carreira ou de partido ao mesmo tempo. Pode-se sustentar que no primeiro turno cada um faz a própria aposta deixando para o segundo turno a racionalidade prática e o voto útil. O problema é nem chegar ao segundo turno. A questão é simples: ninguém quer sair do jogo. Todos sonham em ser a surpresa nas urnas. Cada um quer explorar ao máximo os seus 15 segundos ou 15 minutos de alta visibilidade.

É quase certo que haverá voto útil de parte do eleitorado que menos precisaria fazê-lo. Muitos gaúchos, ligados por decisão partidária a Geraldo Alckmin, votarão em Jair Bolsonaro por ideologia e por estratégia: para garanti-lo no segundo turno ou tentar fazer com que vença no primeiro. É pedra cantada, jogo jogado, voto anunciado. Só não vê quem prefere as ilusões do olhar desfocado. Terão os brasileiros a capacidade que já tiveram os franceses de unir direita e esquerda para barrar a extrema-direita? Ou ficarão reféns dos seus egoísmos e interesses particulares? Há ou não há uma situação especial e uma ameaça ao jogo democrático? Todos revelam o perigo ou mentem?

Jair Bolsonaro é Jean-Marie Le Pen.

É Marine Le Pen. O Brasil pode ser a França?

Ou continuamos os mesmos a votar como nossos avós?

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