Trevisan faz 50 anos de poesia

Trevisan faz 50 anos de poesia

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Sandálias da poesia

 

      Eu acredito na poesia como revelação de verdades existenciais. Armindo Trevisan também crê nisso. Ele está completando 50 anos de criação poética. Começou em 1967 com “A surpresa do ser”. Lança agora “O pó das sandálias” (Pradense). No exemplar que me enviou, colocou uma bonita dedicatória falando do “grande sertão dos enigmas humanos”. Trevisan é um poeta metafísico e religioso. Acredita profundamente em Deus e fala de sentidos. No seu bilhete, ele me diz: “Penso algo mais complexo: que a Poesia não só revela verdades, mas que ela própria é uma verdade – embora não seja a Verdade. A Verdade, como sabes em se tratando deste teu amigo, é uma Pessoa, e tu sabes qual é”. Deus.

Existe algo na poesia que a prosa não alcança ou raramente mesmo no caso dos autores mais geniais. O quê? Não sei. Cansei de tentar saber. Uma capacidade de síntese, de expressão e de “sublimidade”. Um grande verso pode realmente fazer mais do que 500 páginas, mesmo de boas páginas de prosa. A poesia, porém, para ser sorvida exige recolhimento, introspecção, profundidade de leitura, calma, interiorização, propensão ao mistério, ao hermético, ao enigmático, abertura ao infinito, ao aparentemente inútil, um alheamento da ação, um estado de espírito. A poesia é e não é deste mundo. Como os poetas.

Há uma irônica melancolia em alguns versos de Trevisan: “Será a morte/a única novidade/verdadeira/deste mundo? Ela é tão pura/que se exaure/em si mesma”. Há humor: “Ninguém lamente o fato/de Nietzsche ter-se abraçado/ao focinho de um cavalo/numa rua de Turim/Nunca a filosofia/esteve tão perto/do coração selvagem da vida”. Há cansaço: “A poesia,/às vezes/não passa/de um pouco de ar/expelido/pela boca/de um moribundo”. Há provocação: “Desconfiemos dos defensores implacáveis/dos Direitos Humanos! Desconfiemos dos seus lábios/donde os sorrisos nunca se despedem/Após milênios de História,/o rancor pode continuar/a manter visíveis/suas impressões digitais”. O poeta atua.

Trevisan não foge de polêmicas. Aos 84 anos de idade, com uma carreira acadêmica e literária bem-sucedida, continua a buscar o compartilhamento e o confronto de ideias. Defende uma liberdade pura: “Seria preciso que, nalgum canto do mundo,/alguma vez,/sentíssemos o coração puro!/Mas como senti-lo/se o coração é um cão/que corre atrás do pensamento?/Deixêmo-lo, ao menos uma vez,/livre!/para que possa descobrir/que a liberdade/existe à revelia do pensamento”. Em tempos de Feira do Livro, Trevisan, que já foi patrono do nosso maior evento cultural, é uma leitura relevante. Poeta é um anacronismo essencial.

O romeno Paul Celan, poeta radicado na França, onde se suicidou em 1970, resumiu: “A poesia é uma espécie de regresso a casa". Talvez seja isso mesmo. Uma forma capaz de resgatar o absoluto perdido. Um modo burilado de perguntarmos o básico: por que somos o que somos? Por que não podemos fugir do destino, pressupondo-se que exista um? Hoje, a partir das 19 horas, no Delfos, na biblioteca da PUCRS, Armindo Trevisan participará de um evento sobre seu meio século de poesia.

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