Tudo muda

Tudo muda

Especialmente o STF

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      Mercedes Sosa era estupenda. Ouvi-la cantar “Todo cambia” é algo deslumbrante. A voz, a interpretação e a letra provocam uma epifania. Há artistas que se enraízam no imaginário social falando de mudanças:

“Cambia lo superficial
Cambia también lo profundo
Cambia el modo de pensar
Cambia todo en este mundo.”

      O presidente americano Joe Biden fez uma mudança extraordinária: reconheceu o “genocídio armênio”, um massacre promovido pelo governo otomano, entre 1915 e 1917, contra a população armênia. Mais um ponto para aquele que o truculento Donald Trump chamava de “Joe Dorminhoco”. Todo cambia. Na cúpula do clima, sob a coordenação de Biden, Jair Bolsonaro mudou de tom: "Coincidimos, senhor presidente, com o seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos. Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050. Antecipando em 10 anos a sinalização anterior”. Pois é, todo cambia.

      Grande mudança foi a condenação do policial norte-americano que asfixiou o negro George Floyd. Normalmente dava absolvição ou condenação por algo menor, não por homicídio. O STF também não para de mudar. Não muda só o grupo dos onze do Supremo Tribunal Federal. Muda o entendimento dos ministros quase a cada sessão. O garantista pode virar consequencialista e vice-versa. Cármen Lúcia mudou bastante. Rosa Weber deu um cavalo de pau. O novato Nunes Marques cansou de comer na mão do benfeitor. Toffoli acertou-se com o passado.

“Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia
Cambia, todo cambia.”

      O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, quer privatizar a Carris. Nem o dito neoliberal Nelson Marchezan Júnior conseguiu vender a tradicional empresa de ônibus da capital gaúcha. Tudo muda? Pelo jeito. Talvez nem tudo. A vontade de privatizar persiste. Nunca cede. Em 1876, segundo Machado de Assis, alguns reclamavam das mudanças. Protestavam contra o que hoje seria chamado de “politicamente correto”, que tentava impedir de “corrigir” escravos: “Se a gente dá uma sova num, há logo quem intervenha e até chame a polícia. Bons tempos que lá se vão!” Foram precisos mais 12 anos para acabar com a escravidão. Mudança lenta. Os vastos estragos ainda não terminaram.

      A Câmara dos Deputados quer mudar o que foi mudado não faz muito. Pretende fazer uma reforma eleitoral para estragar o pouco que foi bem feito: o fim das coligações de partidos nas eleições proporcionais e uma mísera cláusula de desempenho. Pretende-se implantar o “distritão” (cada Estado como distrito, ganhando quem fizer mais votos, sem proporcionalidade). O Afeganistão aplica. E assim vai: a mudança não para. Para frente e para trás. Todo cambia.

“Y lo que cambió ayer
Tendrá que cambiar mañana.”

      Mercedes Sosa não muda mais. É eterna. Maravilhosamente eterna.

 

 

 

 


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