Tudo na teoria de Hollywood
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Espere que o cozinheiro (diretor) acerte a mão. James Marsh deu sabor ao prato principal.
Não esqueça de acrescentar uma boa pitada de romantismo para temperar os corações incapazes de compreender a “teoria de tudo”, de resto apresentada em doses homeopáticas para não cansar as mentes comuns dos espectadores. Capriche no “lado humano”. Jane casa-se com Hawking já sabendo da sua doença. Vê o homem que ama brilhar intelectualmente e se deteriorar fisicamente.
Assume a dura missão de tocar a casa e a vida dos dois.
Salpique o cansaço natural imposto por tal situação a uma mulher jovem, ponha em cena um terceiro elemento disponível para ajudar e arrebatar o coração da moça, leve ao forno com uma boa dose de culpa e pague para ver.
A plateia comove-se. Foi isso que vi num cinema do Leblon, no Rio de Janeiro. Moçoilas em lágrimas. Senhores com ares de intelectual em dúvida ou em franca discordância. A sobremesa vem com o sabor de refutação: Hawking não é o maior gênio de todos os tempos, embora seja um homem genial, o que não é pouca coisa, não unificou teoria quântica e teoria da relatividade, o que seria uma enormidade, não provou a inexistência dos buracos negros que fizeram a sua fama quando acreditava neles, não provou a inexistência de Deus, não revelou definitivamente a origem do universo e não chegou à sua equação elegante.
É verdade. O detalhe, que pode ser servido com o cafezinho, é que o filme não sugere nada disso. O cardápio é excelente. A receita foi bem executada. A refeição, porém, é frugal. Impossível passar alguma consistência em se tratando de explicar assuntos que exigem demonstração por fórmulas matemáticas. Melhor ficar com a cobertura: paixão, casamento e separação de Stephen e Jane.
Um amor apto a desafiar a matemática, a física, a ciência, a sociedade e a doença, mas não o desejo, esse condimento inesperado e devastador. Na teoria, tudo dá certo por caminhos sinuosos. Na prática, o caldo entorna em linha reta.
“A teoria de tudo” mostra como transformar ingredientes pesados numa cozinha moderna e leve. É a gourmetização da ciência. “Uma breve história do tempo”, de Stephen Hawking”, vendeu mais de dez milhões de exemplares. Raríssimas pessoas são capazes de entender os seus argumentos. Mas a sedução é maior do que a compreensão. A indústria do cinema sabe como deixar no ponto uma história excessivamente calórica. O essencial é dar-lhe um cozimento superficial. Mas com uma casquinha crocante.
Depois, é só servir com design de escultura.