Uberização e ideologia tecnicista

Uberização e ideologia tecnicista

Uso da tecnologia contra a legislação trabalhista

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      Uma mistura constante serve para confundir as pessoas: o avanço da tecnologia levaria inevitavelmente à desmontagem das leis trabalhistas. O que tem a ver, como diriam os elegantes franceses, o “derrière” com o “pantalon”. Se a tecnologia permite trabalhar em casa, administrando o próprio horário, adeus férias e aposentadoria? Não seria o contrário? Graças a tecnologia não fica mais fácil controlar o trabalho realizado, aumentar a produtividade, elevar a liberdade e garantir direitos duramente conquistados? A Califórnia, berço do Uber, acaba de decidir que os motoristas da plataforma são empregados do aplicativo com direito que outros trabalhadores têm.

      A lei pretende bloquear a malandragem instalada pela qual o motorista entra com tudo, trabalho e meios, tem uma rotina, segue uma padronização, obedece a ordens e fica abandonado quando adoece. El País noticiou assim a decisão: “O Senado californiano aprovou na noite de terça-feira um projeto de lei que considera que os motoristas de plataformas como a Uber e a Lyft são funcionários”. Uber e outros chamam de “economia colaborativa” a engrenagem pela qual se apropriam do trabalho alheio sem se comprometer com coisa alguma. O que os aplicativos temem? Pagar salário mínimo, assistência médica, contribuir para a previdência social, férias, horas extras e feriados.

      A Uber vai espernear. Ganhará e perderá. Os tribunais entrarão em ebulição. Os deslumbrados tecnológicos acham que a lei não deve se aplicar aos aplicativos por eles serem supostamente muito diferentes. O sonho de muita empresa é o que os aplicativos têm conseguido realizar: obter o máximo de engajamento do trabalhador com o mínimo de comprometimento do empregador. Há quem defenda o fim da legislação trabalhista, que bloquearia a criação de empregos, sustente que não há vínculo empregatício nas relações entre motoristas e aplicativos e, ao mesmo tempo, alardeie que ninguém emprega mais do que Uber.

      O jornal New York Times abordou o tema em destaque, lembrando que “a cidade de Nova York decretou um salário mínimo para os motoristas este ano”, o que levou a Lyft a impor limitações ao trabalho dos “contratados” “porque ter muitos motoristas na estrada sem passageiros poderia aumentar significativamente o salário mínimo que a empresa teria que pagar segundo a fórmula de salários da cidade”. Um executivo saiu-se com esta: "A questão para mim é se valerá a pena para todos os motoristas terem proteções”. Rolo grande.

      Não se restringe a motoristas. Atinge muitos setores nos Estados Unidos: “As empresas baseadas em aplicativos estão ‘começando a enviar carpinteiros, eletricistas e encanadores para fora de sua plataforma - contratando independentes que ganham salários muito baixos", disse Robbie Hunter, chefe do conselho estadual de comércio que representa os sindicatos dos trabalhadores da construção civil na Califórnia. Jogo duríssimo: "Eles estão minando as empresas de tijolo e argamassa que cumprem as regras – remunerando corretamente os trabalhadores, sendo muito eficientes, trabalhando duro para obter lucro". E agora?

 


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