Um americano e um brasileiro em Paris

Um americano e um brasileiro em Paris

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Houve um tempo em que a Europa ficava do outro lado do mundo. As viagens eram longas, intermináveis, de navio. Depois, veio o tempo dos aviões, mas tudo ainda era muito vagaroso. Fazia-se uma parada no Senegal. Hoje, a Europa é tão perto. Paris está sempre tão ao alcance de um voo. Mas algo continua distante, a diferença cultural, aquilo que marca e separa.

Americanos e franceses, por exemplo, continuam a admirar-se e a rivalizar com a mesma teimosia.

Em 1951, um filme surgiu e entrou imediatamente para a história: Um americano em Paris, de Vincent Minelli, com Geni Kelly.

Arrebatou seis Oscar.

Neste sábado, 22 de novembro de 2014, no Teatro do Chatelêt, na capital francesa, estreou a peça Um americano em Paris, adaptação tardia do filme para o teatro. Em janeiro, o espetáculo irá para a Broadway.

Os amores  impossíveis de um americano e de uma vendedora francesa no típico bairro de Montmartre.

O essencial da intriga é o choque cultural e os obstáculos à consumação da paixão.

O mesmo que ainda pode atingir um brasileiro de primeira viagem em Paris.

De um lado, a organização francesa implacável, embora não tanto quanto a germânica. De outro lado, as explosões fáceis dos irritadiços franceses. Qualquer garçom pode ter um ataque por um nada. Essas explosões, contudo, passam rapidamente.

Os brasileiros são sinuosos. Os franceses são frontais.

Generalizações? Claro. A característica de qualquer cultura é dada pela generalização. Cada indivíduo é diferente, mas, ao mesmo tempo, há algo que une indivíduos diferentes fazendo com que tenham algo em comum e formem uma cultura.

Há igualdade na diferença.

Estar longe de casa, mesmo por pouco tempo, ativa pontos sensíveis e desativa hierarquias.

Que alívio estar, por algum tempo, num lugar onde a discussão sobre racismo não passa por Grêmio e Internacional.

Que alívio estar num lugar onde Grêmio e Internacional não existem e nada é grenalizado.

Que alívio estar num lugar, por algum tempo, onde  algumas estrelas decadentes do Rio Grande do Sul nunca existirão, não passando de pontos escuros perdidos em galáxias tão distantes que jamais serão localizados nem iluminados.

Depois de algum tempo, claro, bate a saudades de tudo, até das nossas reduções e defeitos.

Mas não de nossas estrelas minguantes.

Um americano em Paris descobre que o universo não se resume aos Estados Unidos e à língua inglesa.

Um brasileiro em Paris descobre e redescobre que sempre haverá vida fora da sua aldeia.

Sempre vale a pena dançar em Paris ao som de George Gershwin e em companhia de Gene Kelly e Leslie Caron.

E das vibrações dos estádios brasileiros.

Recebo e-mails de gremistas com mensagens sobre insultos de colorados à mãe do jogador Paulão.

Provocam: fala sobre isso, vai.

Não acompanhei. Mas, tendo acontecido, é grave e tem todo o meu repúdio.

Quem manda os e-mails não está interessado em combater o racismo, mas apenas em falar de Grêmio e Internacional.

Ou, mais exatamente, de absolver o Grêmio mostrando que ele é igual ao Internacional.

Sim, há torcedores racistas em ambos.

Igualmente lamentável.

Mais lamentável ainda é que o grenalismo seja mais importante do que a luta contra o racismo.

Se eu fosse embora de Porto Alegre seria para nunca mais ouvir falar de Grêmio e Internacional.

Dito isso, Fabrício salvou a pátria com seu gol no último minuto.

Libertadores à vista.

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