Um filme de Carlos Gerbase

Um filme de Carlos Gerbase

Briga de Yeda com Feijó vai parar nos tribunais

publicidade

“Bio”, uma vida

 

      Vi, em sessão privada, o novo filme de meu colega Carlos Gerbase. “Bio”, a história de um homem nascido em 1959 e falecido em 2070, não mostra uma só vez o biografado. São 42 depoimentos sobre ele. Belo filme. Gerbase vem constituindo ao longo do tempo uma obra sólida e inteligente. Algumas das suas marcas são o erotismo, o humor, a ternura pelo ser humano na sua precariedade e a justeza das falas dos personagens, que sempre soam muito verdadeiras. Noto em “Bio” certa influência de Michel Houellebecq. Ao menos, um tom, um aroma.

“Bio” mostra mais uma vez a sagacidade de Gerbase para perceber os dilemas e contradições da nossa época e o seu bom gosto musical. “Pavão misterioso”, ao final, ecoa como uma declaração de princípios. O filme é o resultado de uma ótima interação entre Gerbase, como roteirista e diretor, e toda a equipe, da produção à montagem. Feito o filme, começam os problemas, assim como publicado o livro tem início a luta. É preciso distribuí-lo, divulgá-lo, programá-lo nas salas de exibição. Na arte, mais do que no futebol, impera o nosso “complexo de vira-latas”. Se o filme de Gerbase, crônica de uma vida com suas viradas, canalhices e contradições, tivesse a assinatura de Woody Allen, seria considerado genial e viraria de cara sucesso mundial.

Penso num projeto de pesquisa: reunir pessoas, sei lá, de uma cidadezinha de Portugal, que nunca tenham lido nossos autores contemporâneos mais adulados. Misturar textos desses caras com outros de desconhecidos ou menos badalados. Entregar tudo sem assinaturas. Esperar os comentários e uma classificação de zero a dez. Testei isso uma vez, aqui mesmo, de modo precário, e o resultado foi surpreendente. A fama, o prestígio e as relações condicionam a apreciação. O anonimato libera. Noutro patamar, já vi “Tambores de São Luís”, grande livro do medíocre Josué Montello, bater vacas sagradas na preferência de leitores não condicionados pela crítica dominante.

Esse é outro papo. O filme de Gerbase é muito bom. Tem os atributos da obra de qualidade: universalidade, sensibilidade e veracidade. Não consigo entender certas coisas: por que Gerbase é menos aquinhoado pela mídia nacional do que Selton Melo? Por que não é convidado para falar dos seus filmes nesses programas noturnos de entrevistas na televisão? Outro dia, vi, num restaurante de estrada, o Pedro Bial entrevistando Reynaldo Gianecchini. Para quê? Qual era a novidade? Nenhuma. Havia também um guru barbudo ensinando obviedades.

Falar assim pode levar o leitor a pensar que Carlos Gerbase não é valorizado, admirado e visto. Nada disso. Ele é. Eu só acho que merece mais. “Bio” poderia ser representante do Brasil no Oscar. Espero que venha a ser. Precisamos sair do provincianismo que só valoriza o que é produzido no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na era da rede mundial de computadores a noção de centro não faz mais sentido. Salvo na cultura, que continua vertical, do centro para a periferia. Um atraso. O talento não escolhe local de nascimento. Fazer obra, porém, pode ser o caminho mais longo para o reconhecimento. Azar.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895