Um presente de Natal

Um presente de Natal

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Leão e joia

 

Wole Soyinka é prêmio Nobel da literatura. O primeiro africano a ter chegado lá. Ele nasceu na Nigéria. Esteve em Porto Alegre há pouco. Foi aplaudido. Mas pouca gente o leu. Só tem um livro dele publicado no Brasil: “O leão e a joia (Geração editorial). Vou fazer uma afirmação categórica: é o melhor presente de Natal que se pode dar a alguém que goste de cultura. Não fique por aí correndo feito barata tonta atrás de algo inédito. Já publiquei aqui a fórmula do sucesso: S = d + dn. Sendo “s” sucesso, d (diferença) e d (descobrimento). Queremos o que faz diferença e produz descobrimento. Aquilo que pela fantasia tira o véu, descobre, revela, destapa, faz ver o escondido.

A gente lê Wole Soyinka e pensa: o cara tinha de ganhar o Nobel. Vai escrever bem e fácil assim lá em Estocolmo! Ou para o pessoal da Academia Sueca sair do gelo e pegar fogo de vez. A literatura de Soyinka lida com a cultura do seu povo ioruba. Em “O leão e a joia”, tradição e modernidade se enfrentam numa peça de teatro leve, divertida, desconcertante e arrasadora. O professor moderno e o chefe tribal tradicional disputam o coração da joia da aldeia, a bela Sidi. O professor fala difícil e defende o progresso: quer estradas, pontes, chá, monogamia e racionalidade. O velho chefe é cheio de malandragens. Garante que quer conservar e mudar. A moça pode escapar à sua lábia?

Sem spoiler. A peça de Wole Soyinka não tem citações nem teorias implícitas. O texto jamais fica obscuro. É denso sem recorrer a técnicas herméticas de “adensamento”. O autor ganhou o Nobel. Dificilmente levaria o Jabuti no Brasil. É límpido demais, cristalino, sem afetação, direto, profundamente divertido, mas sem humorismo barato nem divagações eruditas caras. Personagem algum se lembra de citar Shakespeare entre aspas. Lê-se em duas horas. Nunca compreendo quando me falam de falta de tempo para ler. Vivemos na sociedade do tempo livre. Máquinas tomam nossos empregos. Cento e cinquenta páginas em leitura cadenciada não exigem mais de três horas de empenho e atenção. O resto é falta de concentração ou desculpa para cair fora.

Os diálogos de “O leão e a joia” são assim:

SIDI: O professor está cheio de histórias nesta manhã... E agora, se a sua lição já acabou, posso pegar o meu balde de volta?

LAKUNLE: Ah, não!... Eu já lhe disse para não carregar coisas pesadas na cabeça. Mas você é tão teimosa como uma cabra analfabeta. Faz mal à espinha e encurta o seu pescoço. Nesse andar, vai terminar sem pescoço. Você quer ficar chata que nem as figuras que meus alunos desenham?

SIDI: E porque eu deveria me preocupar com isso? Você não jurou que minha aparência não afeta o seu amor por mim?

Tem ritmo de jogo, de farsa e de comédia. Tem seriedade de reflexão. Fala linguagem de gente. Brinca com o que afeta um mundo. Dá uma lição: ser escritor é muito fácil. Basta ser gênio e não escrever difícil. Se um livro tiver uma mesóclise, fuja dele. Quanto ao Natal, um presente está resolvido. Só resta saber para quem. Não o dê para alguém que possa pensar, balbuciar, resmungar ou até mesmo confessar:

– Ah, não, livro!

 

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