Uma fábula

Uma fábula

Histórias da era da ausência

publicidade

      Conta-se que Indra chegou na sua aldeia depois de oito anos de ausência. Todos queriam saber por onde tinha andado. Mas ele se recusou a contar. Estava mais silencioso do que nunca, embora demonstrasse muito afeto pelos pais e vontade de rever os amigos. Ele havia partido quando sentira que algo o atraía para longe. Fizeram de tudo para impedir que se afastasse. Nada surtiu efeito. Indra tinha ideias estranhas. Acreditava na liberdade dos sonhos. Achava que nada, nem cultura, nem raça, nem ideologias, nada mesmo, podia prender os homens numa couraça. Esse era para ele o grande mistério da vida.

      Ao chegar em casa, numa tarde de sol, deparou-se com o sábio do lugar, Danesh, um ancião pequeno, barbudo e calvo como costumam ser os sábios nas fábulas sobre sábios e anciãos. O velho perguntou-lhe:

– O que aprendeu na sua viagem, Indra?

– Ainda não sei, mestre. Preciso fazer o balanço.

      No dia seguinte, Indra construiu um balanço e pôs-se suavemente a oscilar. Todos ficaram olhando para ele com alguma estranheza. Teria enlouquecido? O sábio, porém, tratou de explicar que ele estava certo.

– É preciso dar realidade às ideias – disse.

      Ninguém entendeu o que o sábio queria dizer. Por isso mesmo tiveram certeza de que não se enganava. Indra sorria enquanto se balançava. Quando todos se cansaram de observá-lo, ficou só. O sábio retornou depois de alguns minutos de ausência. Retomou a pergunta:

– O que aprendeu na sua viagem, Indra?

– Que levamos nossa casa quando viajamos, mestre.

      O sábio pareceu gostar da resposta. Mesmo assim, não deixou de pressionar o rapaz com uma pergunta doce como sua voz de pássaro:

– Se tinhas a tua casa contigo, menino, por que voltaste?

– Eu não sabia.

– Então vais partir novamente?

– Quando se ama, mestre, nunca se parte.

      O velho revelou um ar contrariado. Era dele o papel de ser evasivo ou elíptico. Indra continuava a se balançar sem pressa.

– Foi tudo que aprendeste?

– Não sei. Há algo que ainda me escapa: o tempo.

      Aí o mestre sorriu. O tempo era a sua questão predileta. Já se preparava para soltar uma pérola, das que só ele conhecia na aldeia, quando Indra parou o balanço e disse com seu ar de menino grande:

– O que é o tempo, mestre?

– Dê tempo ao tempo, menino, que ele mesmo te dirá.

– Mas eu tenho poder sobre o tempo?

– Depende?

– De quê?

– Da sua capacidade de lidar com o tempo.

      Indra passou anos balançando-se um pouco a cada dia. Fazia tudo o que era dele exigido. Cumpria os seus deveres. Produzia o esperado. O mestre morreu sem saber se o discípulo ainda pensava no tempo. Um dia, a um menino que o via oscilar no balanço, Indra disse ternamente:

– Nunca apresse o tempo. Deixe que ele passe como quiser.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895