Velho Uruguai

Velho Uruguai

O país de Mujica continua sendo um bom lugar para viver

publicidade

      Até o vento no Uruguai me comove. É o vento da minha infância em Livramento. Um vento com cheiro e umidade especiais. Na época, o Uruguai era a Suíça da América. Mas os militares resolveram transformá-lo em mais uma ditadura bananeira. O estrago foi grande. Sempre que volto ao Uruguai, eu me espanto. Tem, como sempre, cassino. O de Rivera sempre me pareceu uma provocação, de frente para o Brasil, como uma boca gargalhando para a nossa intromissão estatal na sorte e no azar. Em Colônia do Sacramento, o cassino de máquinas é um enorme “bingo” com a porta para a calçada. Que país curioso esse Uruguai. O aborto está legalizado. A maconha também.

      O pessoal de Montevidéu continua chamando o rio de mar. O rio da Prata é mesmo um mar de reflexos, de histórias e de influências. O tango mais famoso do mundo, “La cumparsita”, é uruguaio. O Fun-Fun, na Soriano, não deixa estrangeiro algum perder a viagem. Oferece comida, bebida, tango, candombe, bolero e até interpretações de músicas brasileiras, peruanas, cubanas, argentinas e norte-americanas. Só faltou para os suíços presentes. Montevidéu guarda as marcas da sua riqueza histórica nos seus monumentos, casarões, parques, palacetes, avenidas e no estilo de vida. Cidade dos plátanos, das calçadas generosas, das praças cheias de gente, do charme do Mercado do Porto, muito mais interessante que Puerto Madero, em Buenos Aires, da elegância da livraria Más Puro Verso, de tudo o que sabemos e queremos ver novamente. Uruguai de poetas e heróis.

      Os “caudilhos” uruguaios, conforme a expressão adorada pela ótica brasileira, foram, em geral, mais progressistas que os nossos. Quem foi o nosso Artigas? Que Uruguai é esse, tão pequeno, em dimensão e população, e tão grande nas ousadias, mesmo que elas sejam contestadas interna e externamente? Mesmo um cara como eu, que come pouco e só bebe água, não consumindo qualquer tipo de combustível alternativo, fica curioso com esse laboratório de políticas comportamentais que é o Uruguai. A violência aumentou? Nenhuma correlação com a liberação da maconha foi demonstrada, apesar da campanha difamatória da direita brasileira.

      Tem muita gente querendo trocar o Brasil por Portugal. Para quê? Tem o Uruguai bem mais perto. Segundo estatísticas internacionais, o Uruguai é o país mais pacífico do continente. O argentino Borges tinha razão: Montevidéu guardou o que as outras cidades, inclusive Buenos Aires, perderam: uma atmosfera, um jeito de ser, uma visão de mundo. Creio que todo santanense é um pouco uruguaio. Muitas vezes nem sei precisar essa identificação. São palavras – assado, mate amargo, plancha –, pronúncias, maneiras de se comportar. Mas é principalmente um ambiente, um aroma, um vento carregado de intensidades vindas de longe, de onde todos sabemos.

      Será o Uruguai a única socialdemocracia da América? O único lugar em que o Estado tenta não tutelar os comportamentos privados, mas busca ser solidário com os mais necessitados? Vivemos de costas para o Uruguai, que já não é mais o mesmo, mas continua sendo um bom lugar para se viver. Nossa elite vai mais a Orlando do que a Montevidéu. Se eu tivesse de me exilar, escolheria Montevidéu como primeira opção. Paris seria a segunda. Nunca se sabe.

     


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895