"Violeta foi para o céu" é uma aula de dignidade

"Violeta foi para o céu" é uma aula de dignidade

publicidade

Há filmes sombrios e tristes que justificam o peso já nos primeiros minutos. É quando ir ao cinema supera o entretenimento e ensina algo sobre a complexidade da existência. "Violeta foi para o céu", de Andrés Wood, é um bom vinho chileno. Conta a vida da grande artista Violeta Parra sem rodeios e sem hipocrisia. Não faz elogios idealizadoras nem críticas sensacionalistas.

Desnuda uma artista genial com sua personalidade fortíssima, misto de egoísmo e de autenticidade, de orgulho e de dignidade extrema, incapaz de levar desaforo para casa, sempre pronta a dar a resposta dura mesmo pagando por isso.

Violeta Parra, filha de mãe índia, comeu o pão que o diabo amassou. Andou rolando pelas estradas e povoados chilenos construindo a sua carreira. Coletou preciosidades da cultura popular e tradicional chilenas. Compôs clássicos da música da América Latina. Pintora intuitiva, começou, como disse o jornal francês Le Figaro, por onde Leonardo da Vinci terminou, pelo Louvre. Pegou seus quadros e os levou para que fossem expostos no Museu de Artes Decorativas do Louvre.

Violeta jamais se abaixava, não se deixava humilhar, quebrava os pratos, dava respostas na lata, era agressiva, furiosa, de faca na bota. Neste mundo em que os fracos precisam driblar para sobreviver, ela era uma fraca forte que não se intimidava. Ofendia até os seus benfeitores, pois odiava o que há de mais odioso, a condescendência, a compaixão, a passada de mão na cabeça, a imbecilidade que tenta se fazer passar por compreensão, entendimento, apoio e, especialmente, conselho amigável.

Violeta Parra se suicidou.

Não suportou mais um fracasso.

Com ela não tinha jogo de cintura, flexibilidade, jeitinho, artimanha. Era tudo direto. Sensível ao extremo, batia de frente com a idiotice midiática da sua época. Detonava perguntas estúpidas, expressava a dor dos miseráveis, cantava o que sentia, não cedia, não baixava o tom, não pedia clemência, queria tudo da vida, especialmente intensidade, amor e paixão.

Violeta Parra foi uma América Latina em surto de dignidade.

Não lambia a mão que tentava afagá-la como a um cachorro.

Foi artista num tempo em que o talento valia mais do que o sucesso.

Partiu antes de o Chile experimentar a utopia de Allende e de mergulhar no pior, a longa era Pinochet.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895