Woody e golpe de sorte

Woody e golpe de sorte

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Café com Woody

 

O único humorista realmente digno desse nome no mundo é Woody Allen. Os demais são piadistas. No Brasil, o humorismo regrediu. Há quem sustente que sem ditadura nosso humor e nossa música ficam sem objeto. Viram sertanejo universitário e piadismo de entrevista. Sem dúvida, o melhor argumento em favor da ditadura que ouvi até hoje. O humor precisa funcionar como um descobrimento, um “desencobrimento”, uma revelação, um choque na percepção do público. Traz à tona um sentido encoberto que se oculta bem embaixo do nosso nariz. Woody Allen inventou um gênero: a crônica anual filmada de humor. É claro que fomos ver Café Society, a nova crônica do cineasta americano.

Depois que parou de ser o protagonista dos seus filmes, acossado pela idade, dado que o público não gosta de histórias de velhos (todo velho deve ser coadjuvante, salvo exceções rentáveis), Woody Allen tinha um problema: encontrar um ator que pudesse funcionar como seu duplo, um alter-ego eficiente e convincente. Afinal, cada personagem de Woody é Allen. Em Café Society, Woody Allen achou o que buscava: Jesse Eisenberg, que interpreta o jovem ingênuo Bobby, faz pensar o tempo todo no Woody Allen dos seus primeiros filmes. Parece até uma reencarnação. Com a voz do diretor ao fundo, narrando a história, tudo se completa. É Woody na veia.

O trio principal de atores dá seu show: Jesse Eisenberg, no papel do bobinho que surpreende, a linda Kristen Stewart, como a falsa romântica, e Steve Carell, como o tio e amante poderoso que comanda celebridades em Hollywood. É um programa estranho para sábado à noite: simples demais, elegante demais, inteligente demais. Faz pensar que tem algo errado. Já imagino o leitor mala (são raros) dizendo: “Obrigado pela dica”. Tem leitor que vê colunista como profissional da dica. Já pensei em dar dicas erradas só para sacanear. Cada vez eu entendo melhor as respostas do genial Mario Quintana. Um senhor de anel no dedo com pedra faiscante me disse:

– Vens melhorando.

– Pena que eu não possa dizer que o senhor está piorando. Não o conheço – foi a minha resposta quintanesca (uma semana depois).

Perdi o foco? Estava falando de que mesmo? Ah, sim, agora me lembro, da nova crônica filmada de Woody Allen. Estou ficando velho. Mudo de assunto com facilidade. Falando nisso, continuo com dor no ombro. Não, não vamos, por mais atraente que seja, falar de doença. Não agora. O assunto é Woody Allen. Já vi Woody Allen em sessão da meia-noite. Depois, passei para a das 22 horas. Já estamos na sessão das 19 ou 20 horas. Creio que o futuro será da sessão das seis da tarde. Não é a violência que muda meus horários. É apenas o sono.

Allen reduz os clichês de Hollywood a pó (de café?). Tem de tudo, da família judia com seus dilemas materiais e espirituais até o gângster (judeu) que mata primeiro e pergunta o nome depois. Não, não, isso é outro clichê de Hollywood: pergunta o nome antes para não perder a viagem, que tudo tem um custo.

Como Allen é judeu, faz piada de judeu sem correr o risco de ser chamado de antissemita. Ou não?

Se vivesse no Brasil, Woody Allen faria um filme sobre o impeachment tabajara.

É piada mesmo.

O título certamente seria Golpe de Sorte.

 

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