Xadrez nacional – verso e reverso
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– Veja bem...
– Tu acreditas mesmo que a OAS não levou nada em troca?
– Veja bem...
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– Tu acreditas mesmo que o objetivo fundamental da justiça não era tirar o Lula da corrida eleitoral e liquidar as chances do PT?
– Veja bem...
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– Para a justiça condenar Lula, mesmo por interesse ideológico ou por conveniência de classe, ela precisou que ele cometesse um crime...
– Ele pode ter cometido um. Mas para que ela pudesse condená-lo dentro das regras clássicas do jogo, aquelas que valem normalmente, teria de conseguir provar que ele é culpado. Ou indícios só valem para ele?
– Veja bem...
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– Os juízes, escarrapachados em suas poltronas confortáveis, não ouviram a voz das ruas...
– Mas o julgamento não tinha de ser técnico?
– Veja bem...
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– Tu acreditas mesmo que o STF é neutro? Como explica que tenha agido de uma forma com Eduardo Cunha e de outra com Aécio Neves?
– Veja bem...
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– Tudo depende do entendimento...
– Do Supremo?
– Não, do Gilmar Mendes.
– Veja bem...
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– O juiz Marcelo Bretas foi à justiça para receber auxílio-moradia, apesar de casado com colega brindada com dinheiro público para o aluguel, embora tenham residência própria, contrariando a norma. Ou para ela receber mesmo ele já mamando na teta. Alegou que não se pode tratar de forma desigual integrantes de uma mesma classe.
– Ué! Mas auxílio-moradia para juiz não é tratar de forma desigual integrantes de uma mesma classe: juízes e demais brasileiros?
– Veja bem...
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– Fascismo não era historicamente um conceito aplicado a nacionalistas antiliberais, seguidores de um líder populista carismático e defensores de um Estado forte e regulador em todos os campos?
– Veja bem...
– Então como se explica que seja aplicado agora a ultraliberais conservadores, defensores da globalização e do Estado mínimo?
– Veja bem...
– Não estou vendo.
– O conceito deslizou.
– Deslizou?
– Virou insulto.
– Fascista é aquele que pensa o oposto de mim?
– Nem sempre.
– Quando então?
– Quando é chato demais e não se intimida.
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– Fascista é sempre o outro?
– Claro. Mas está ao alcance de todos.
– Também posso ser?
– Depende do outro.
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Quando alguém de esquerda diz que fulano escreve bem:
- É um autoelogio. Fulano escreve o que ele gosta
- É ideologia. Fulano defende os seus interesses
- É estratégia. Fulano traz água para o seu moinho
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Quando alguém de direita diz que fulano escreve bem:
- É um autoelogio. Fulano escreve o que ele gosta
- É ideologia. Fulano defende os seus interesses
- É estratégia. Fulano traz água para o seu moinho
Moral da história: esquerda e direita não gostam de textos, de estilos, de formas, mas de ver as próprias ideias expostas especialmente quando são duvidosas ou contraditórias.
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Mais uma citação provocativa de um personagem de Philip Roth no romance “Casei com um comunista”: “É difícil acreditar que um homem que punha tanta ênfase na sua liberdade pudesse aceitar esse controle dogmático sobre o seu pensamento (...) Ali estava alguém cujo poder supremo era sua capacidade de dizer não. Sem medo de dizer não e dizer na cara da gente. No entanto, para o partido, ele só sabia dizer sim”.
Outra: “McCarthy compreendeu o valor de entretenimento da desgraça e aprendeu como alimentar as delícias da paranoia. Ele nos levou de volta a nossas origens, de volta ao século XVII e a nossos antepassados. Foi assim que o país começou: a desgraça moral como entretenimento público”.
As melhores:
“Impor à vida a simplificação que cria coerência e deturpa tudo”.
“Como pode ser um artista e renunciar à nuance? Mas também como você pode ser um político e permitir a nuance”. Como artista, a nuance é a sua missão”.
A melhor: “Comece a pregar e tomar posições, comece a ver sua perspectiva como superior às outras, e você é inútil como artista, inútil e ridículo”.
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São personagens diferentes, opostos, num livro sobre o macarthismo, fenômeno de extrema-direita que destruiu comunistas reais e imaginários nos Estados Unidos, e sobre o troco dado por um radialista, comunista por razões psicanalíticas, protagonista involuntário da história, ao seu principal inimigo: a ex-esposa burguesa, famosa, vingativa e tão vulnerável quanto o marido. Um romance sobre a ideologia transformada em perigosa arma moral e sobre como destruir ou ser destruído por máquinas midiáticas de propaganda ideológica em tempos de excitação absoluta e de gozo no ódio. O gozo no ódio é uma perversão hipermoderna sem data para expirar.
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No Brasil atual, autores em pencas de direita e esquerda fazem a opção fácil: escolher um lado para ter um público cativo, que os aplaude sempre mais na medida em que mais ouvem o que pensam e defendem. São os que mais brilham no momento. Só há espaço para o engajamento. Um famoso colunista me deu um conselho que nunca consegui seguir por absoluta indisciplina:
– É escolher um lado ou morrer.