Com a escrita em fogo brando

Com a escrita em fogo brando

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Por Luiz Gonzaga Lopes

 

Escrever e cozinhar poderiam ser duas atividades díspares, não estivessem intimamente ligadas entre si pela ação e analogia da incansável e criativa mente o jornalista e escritor Tailor Diniz. Para Tailor, as características que envolvem o ato de cozinhar e de escrever se imbricam em algum momento. "São duas coisas que me dão prazer. Em ambas, eu misturo temperos, tenho que achar o ponto de cozimento, o preparo dos ingredientes, não faço receitas prontas, vou descobrindo na hora. Também existe um tempo de preparo. Depois, existem as pessoas que analisam, que provam, degustam, primeiro frases ou capítulos, depois o prato pronto, que serão os leitores", afirma o autor de romances como "O Assassino que Usava Batom" (Mercado Aberto) , "Um Terrorista no Pampa" (Mercado Aberto), "Crime na Feira do Livro" (Dublinense) e "A Superfície da Sombra" (Grua).

Esta vida entre o computador e o fogão/forno também se reflete na literatura produzida por Tailor. "Normalmente, os personagens aparecem comendo ou cozinhando. No Crime da Feira do Livro, o Jacquet e o Macedônio comem um ensopado de paleta de ovelha com canjica e manjerona. Em Um Terrorista no Pampa, o professor Cervante prepara uma omelete e o Homero come um filé", explica Tailor, admirador e usuário (no bom sentido, é claro) dos mais variados temperos, como manjerona, orégano, cebolinha, salsa, alho, cebola, curry, coentro, paprica, entre outros. "Compro muita coisa do Uruguai", complementa Tailor:

O tal fogo brando nominado no título deste papo com Tailor tem a vez com esta relação escrita/cozinha. "Deixo um arquivo sempre aberto no computador e aí estou fritando um alho para começar a cozinhar, desligo ou baixo o fogo e escrevo um parágrafo. Se o texto é de outro capítulo, vou empilhando na parte de baixo do arquivo. Escrevo em média seis páginas ao dia", afirma.

 

CRIME GERMANIZADO


Como o termo cozinha está sempre associado ao internacional, Tailor - que é editor da revista Vox, publicada pelo Instituto Estadual do Livro e Corag - nunca teve uma carreira tão universal como de 2013 para cá. Em outubro de 2013, o livro Crime na Feira do Livro ganhou tradução para o alemão pela editora Abera, de Hamburgo, virando “Tod Auf der Buchmesse” (Morte na Feira do Livro), na versão da tradutora alemã Ângela Wotdke e foi lançado num evento paralelo à Feira de Frankfurt, com a presença do autor. "A Angela está traduzindo também para o alemão o meu conto "O Segredo da Rue de La Huchette". Com um livro traduzido começa a despertar o interesse do agente literário e a possibilidade da tradução de outro livro é bem maior. O editor alemão de O Crime na Feira do Livro leu uma referência na orelha a O Assassino Usava Batom, que era com o detetive Walter Jacquet e já mostrou interesse em traduzir”, revela Tailor.

 

A carreira multilingue de Tailor não vai parar por aí. Conforme o agente literário francês, radicado no Rio de Janeiro, Stéphane Chao, o conto "A Saideira", de Tailor Diniz, publicado originalmente no livro de contos "Transversais do Tempo", da Bertrand Brasil, vai ser traduzido para o romeno. "Este conto do Tailor, "A Saideira", vai ser publicado pela editora Univers uma das mais importantes da Romênia no âmbito de uma antologia de contos brasileiros, que estou organizando e que provavelmente sairá no inicio de 2015", ressalta Chao, que já levou para Romênia e Bulgária obras de autores como o gaúcho Amilcar Bettega Barbosa, Alberto Mussa, Julián Fuks, Raimundo Carrero e Antônio Torres. "Esses autores, aliás, fazem parte desta antologia. Estou tentando agora levar para lá o catalogo da Grua Livros, jovem editora paulistana", conta Chao.

 

FRONTEIRAS E SOMBRAS

 

Caso leve o catálogo da Grua para o Leste Europeu, lá estarão provavelmente alguns romances de Tailor, como "A Superfície da Sombra", lançado em 2012, a primeira parte do tríptico Fronteiras e Sombras. "O segundo livro "Em Linha Reta", está com os originais sendo preparados pela Grua, e a data prevista para lançamento é 16 de abril, uma quarta-feira. O El Penitente fica para 2015. observa o autor natural de Júlio de Castilhos, lembrando que "Um Terrorista no Pampa" ganhará versão em e-book na coleção Dublinense Resgata, que pode virar impresso e que o detetive Walter Jacquet terá nova história, "Um Passo em Falso", já escrita, a ser lançada pela Dublinense, sem data definida. "Outro projeto que está iniciado é a extensão da ideia do Crime na Feira do Livro, do assassinato ocorrido no evento de Porto Alegre, para outro evento literário brasileiro", adianta o autor, sem dar maiores detalhes.

 

Sobre o segundo livro do tríptico, "Em Linha Reta", Tailor destaca que o foco narrativo está na personagem, uma  mulher, uma jovem garota de programa que é levada pelo motorista de quem a contrata para ir ao interior do Estado. "Ela passa por uma série de situações sem volta. Ela é estudante do 2º ano de Psicologia, contratada por um cara conhecido como Sacerdote. A história começa na viagem. Eles andam em círculos, não chegam. Tento questionar qual é a fronteira entre o pesadelo e a realidade? Até onde é real para ela ou não? A fronteira ultrapassada é psicológica e não geográfica", observa.

 

Falando sobre "El Penitente", salienta que segue o modelo de cidades fronteiriças de "A Superfície da Sombra". As duas localidades são divididas por um rio, tipo Jaguarão e Rio Branco. São chamadas São José dos Palmares e Castillo Blanco. "Às 18h o personagem atravessa o rio à procura de uma amiga. A história termina às 6h da manhã de outro dia. Tudo acontece durante 12 horas. Há contrabando, assassinato e bordel. Ana Aguilera tem um bordel, Batom Vermelho, é argentina e reza pela graça de ter um papa argentino. Eu terminei de escrever a história no dia em que o papa Francisco foi escolhido, em março de 2013", explica Tailor, que leu recentemente livros como "Madrugada Suja", de Miguel Sousa Tavares (Companhia das Letras); e uma série de obras da editora Cosac Naify, como Rocambole, de Davi Arrigucci Jr.; "Crônicas da Província do Brasil", de Manuel Bandeira, Conversas na Sicília, de Elio Vittorini e  "Confissões de Minas", de Carlos Drummond de Andrade.

 

No processo criativo de Tailor, não há espaço para o temido bloqueio criativo. "No processo de criação, eu sou muito disciplinado. Me acostumei com o jornalismo de rádio, baderna, o locutor esperando para ler a notícia mais recente. Não dependo de local ou concentração. Não fico engavetando ideias. Quem quer silêncio, vai escrever no campo ou numa biblioteca”, brinca o jornalista que começou como redator de rádio na 14 de Julho, em Júlio de Castilhos, depois trabalhou nas rádios Imembuí, Medianeira e da Universidade, em Santa Maria, e também nas rádios Guaíba, Pampa e Gaúcha, em Porto Alegre. "Atribuo esta capacidade de escrever em qualquer lugar e sob qualquer condição a minha formação de redação em rádio".

 

CINEMA 

 

O cinema parece ser o destino das obras de Tailor Diniz, tamanha a agilidade da sua escrita, quase um roteiro pronto.  "A Superfície da Sombra" está sendo adaptado para o cinema por Paulo Nascimento, de "A Oeste do Fim do Mundo", roteiro e direção. A intenção é rodar o filme ainda no primeiro semestre deste ano. Estou acompanhando toda a adaptação. O Paulo sempre me passa o tratamento de roteiro. A Blanca Lucia será a Giovana Echeverria, o Antônio será o Leonardo Machado e o coveiro será o grande ator uruguaio Cesar Troncoso", explica Tailor, cujo curta "Terra Prometida", de Guilherme Castro, com roteiro dele ganhou prêmio de filme, diretor, ator e atriz na Mostra de Curtas do Festival de Gramado, e prêmio de Melhor Curta no Festival de Brasília, em 2006, além de "Rolex de Ouro", também baseado em um conto seu, ganhador, em 2007, do prêmio de Melhor Filme na mostra gaúcha do Festival de Cinema de Gramado.

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WALTER JACQUET

 

A gênese do detetive Walter Jacquet foi uma mudança de suporte de escrita. "Eu escrevia a máquina e a Rosane (Oliveira, esposa e jornalista especializada em política) comprou um daqueles computadores Pentium 386 ou 486. Eu comprava muitos CDs de jazz em liquidações e passei a escrever ouvindo música no computador. Ao escrever o primeiro capítulo, resolvi que uma mulher seria morta e que o detetive Walter Jacquet, morador do prédio, chegaria ao local e iria deduzir há quanto tempo o crime teria sido cometido pelo tempo que o CD estava tocando. Seria a terceira faixa, Satin Doll, de Bill Coleman, tocando aos 4min30s e que o crime foi cometido nos últimos treze minutos, A Rosane leu o primeiro capítulo, gostou, eu comecei a costurar a história e assim nasceu o Jacquet em O Assassino Usava Batom", conta a história inicial do seu principal personagem. Tailor lembra que a história de Jacquet foi mudando. "Neste livro, ele seria um detetive americano de origem francesa, de New Orleans. Em O Crime da Feira do Livro, a história dele fica mais clara. Ele é um cara do Alegrete que teve uma decepção grande no Rio Grande do Sul e foi para os Estados Unidos", frisa. O autor lembra que quando escreveu "O Assassino Usava Batom" ainda não era um contumaz leitor de romances policiais. "Eu lera o Dashiel Hammett, o Raymond Chandler e havia lido o David Goodis, “Lua na Sarjeta”. Eu também já conhecia o Conan Doyle. Eu queria seguir os americanos, com a ação na rua e não ser um romance de enigma, como o  Doyle", conclui.

 

TRECHO DE "EM LINHA RETA" (que será publicado em abril pela Grua):

 

Chegou um momento, num trecho em que a estrada se confundia com o descampado, e a carroça parou. O homem se virou e disse a Sophia que haviam chegado. Ela olhou para os quatro lados da noite e imaginou um mundo deserto. Nem mato, nem árvores, nem casas, nada era o que se via, a não ser a terra plana se alongando até onde ela podia enxergar.

“Aqui é a fronteira do limite”, disse o homem.

Sophia pegou a mochila e se preparou para descer: “O limite de quê?”.

E ele, olhando o vazio: “De que nem importa. Que importa é que é o limite. De onde tem que descer. Não posso ir mais. Nem que me dê vontade. Limite – a palavra já diz: li-mi-te”.

Sophia pulou para o chão. A lua iluminava um trecho da estrada atrás da carroça. Voltou-se para o homem – ele em pé, com as rédeas na mão, pronto para dar meia-volta. Ela perguntou: “Aonde vai parar essa estrada?”.

A carroça se movimentou, o metal das rodas rangia sobre as pedras, o homem teve que gritar para que Sophia o ouvisse: “Acho que nunca para. Ou para, não sei. Ou continua toda a vida, não sei. Ninguém sabe. Dizem que num lugar passa um trem. Ninguém nunca viu. Vez que outra, quando as nuvens ficam baixas, que fica mais perto, a gente ouve barulho. Um ronco pesado. Muito triste também. Que parece de bicho imenso, que se debate entre nuvem e terra. E dizem que é o trem. Mas é como a morte pra quem morre. Nunca ninguém veio pra desmentir”.

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