“O que vejo é um mercado em crescimento para os tradutores”

“O que vejo é um mercado em crescimento para os tradutores”

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Por Luiz Gonzaga Lopes

A jornalista e tradutora Cássia Zanon fala sobre o ofício às vésperas do Dia Internacional da Tradução, que se comemora no 30 de setembro

O Dia Internacional da Tradução será comemorado nesta terça-feira, dia 30 de setembro. A data remete à morte de Jerônimo, considerado santo, no ano 419 ou 420, que traduziu a Bíblia do grego antigo e do hebraico para o latim, a Vulgata. A data foi instituída em 1991 pela Federação Internacional dos Tradutores (FIT). No Caderno de Sábado, publicamos uma matéria sobre o tema e aqui no blog Livros A+, vamos publicar algumas das entrevistas na íntegra, nesta Semana da Tradução.

A jornalista e tradutora Cássia Zanon tem mais de 50 livros traduzidos para editoras e agências, além de localização de sites e legendagem. Entre os autores e livros traduzidos do inglês ao português desde 1999 estão Kurt Vonnegut (como Matadouro 5, Café-da-Manhã dos Campeões e Armagedom em Retrospecto, para a L&PM), Herman Melville (Bartleby, o Escriturário e Billy Budd, o Marinheiro, para a L&PM), Dashiell Hammett (O Grande Golpe, para a L&PM), Daniel Goleman (Foco - a atenção e seu papel fundamental para o sucesso, para a Objetiva), F. Scott Fizgerald (O Diamante do Tamanho do Ritz) , Woody Allen (Adultérios, para a L&PM) e Agatha Christie (Poirot Perde um Cliente e Os Crimes ABC, para a L&PM).

Nesta entrevista, Cássia fala sobre o que há a comemorar nesta data, sobre as lutas dos tradutores, as dificuldades do ofício, conceitos ligados à profissão e o momento atual da versão de obras ao português:

 

Livros A+ - No próximo dia 30 de setembro, se comemora o Dia Internacional da Tradução. O tema definido pela FIT neste ano é Direitos à Linguagem: Essenciais a todos os Direitos Humanos. O que há para se comemorar nesta data?

Cássia - Sou uma otimista em relação à tradução como profissão. O que vejo é um mercado em crescimento para os tradutores para o português brasileiro. Claro, esta é uma visão pessoal, de uma profissional que trabalha sozinha para vários clientes de diferentes ramos, tanto editoras quanto agências de tradução, do Rio Grande do Sul, do Brasil e de outros países. Não sei como é essa visão por parte das empresas. Do ponto de vista do público, não me lembro de, há 20 anos, termos tantos e tantos conteúdos disponíveis em português. Isso sem mencionar a quantidade de séries, filmes e livros do mercado “paralelo” que ganham suas versões na nossa língua graças ao trabalho de tradutores diletantes que fazem isso muitas vezes de forma colaborativa. Muitas vezes, o que essas pessoas fazem é ilegal em termos de direitos autorais, tem qualidade precária, mas é inegável que ajuda a dar acesso a muita gente a produtos produzidos em outras línguas.

 

Livros A+ - Quais as principais lutas dos tradutores na atualidade para dar visibilidade ao tradutor. Existem algumas campanhas em prol do nome do tradutor que não tem tanta visibilidade na obra vertida. A própria Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes (Abrates) está com uma campanha neste 2014. O que achas disto?

Cássia - Falando especificamente de obras literárias, é inadmissível que esse crédito não seja dado, embora eu me sinta um pouco incomodada com a expressão “co-autor”. Pessoalmente, eu me sinto uma “transmissora” do que traduzo. Embora haja, sim, certo processo criativo — na escolha das palavras, do tom do discurso —, vejo o papel do tradutor como o de alguém que deve “copiar” algo que foi escrito na língua A na língua B, sem nunca esquecer que o dono do trabalho é o autor. Admito que já comprei livros por terem sido traduzidos por este ou aquele tradutor, mas vejo isso como vício profissional.

 

Livros A+ - Quais as dificuldades do ofício? Dos autores já traduzidos por ti em mais de 50 livros, qual o que oferecia maiores dificuldades na versão e no traslado ao português? Algum exemplo prático?

Cássia - Dois livros são emblemáticos para mim, ambos traduzidos para a L&PM. O primeiro, Matadouro 5, do Kurt Vonnegut (http://goo.gl/Ze2jiZ) (2003), não foi difícil pela linguagem, mas pela responsabilidade de estar traduzindo um autor que não tem fãs, mas seguidores. No fim, acho que deu tudo certo. O segundo, Billy Budd, Marinheiro, de Herman Melville (http://goo.gl/jyDtV2) (2005), fez com que eu questionasse se eu deveria mesmo estar fazendo aquilo. Para os termos náuticos, cheguei a pedir socorro do Sérgio Faraco, que foi absolutamente generoso comigo, e, claro, contei sempre com o apoio da minha editora — a também tradutora Caroline Chang — nos momentos de maior desespero.

 

Livros A+ - Em seu "A Tradução Literária", Paulo Henriques Britto diz: "Assim, sustento que o tradutor tem a obrigação de se esforçar ao máximo para aproximar-se tanto quanto possível da inatingível meta de fidelidade, e que ele não tem o direito de desviar-se desses caminhos por outros motivos". A partir dessa afirmativa, qual o respeito que é necessário ao texto por parte de um tradutor para evitar a traição (ser um traditore) ou a infidelidade?

Cássia - Paulo Henriques Britto é mestre. E ao ler isso em seu livro, eu me senti mais confortável na minha pele. Confesso que às vezes me sentia meio “tradutora de segunda linha” quando via trabalhos de colegas que “reinventavam” ordens de parágrafos, inseriam “molho” ao texto original. (Isso aconteceu algumas vezes quando ia comparar a minha à tradução de obras que já haviam sido passadas ao português antes, como os livros do Fitzgerald, do Vonnegut e do Melville.) Minha grande preocupação é ser o mais fiel possível ao tom do escritor. Às vezes, o estilo do autor me desagrada, mas não me sinto no direito de modificá-lo. Quando estava traduzindo os documentos da CIA para o livro 1964: O golpe, o Flávio Tavares reclamou que a minha tradução de uns textos estava muito “sem sabor”. Ele tinha razão, claro. Mas eu estava traduzindo relatórios de um araponga da CIA, e até ali achei que deveria ser fiel ao (não) estilo do sujeito.

 

Livros A+ - Uma das questões trazidas à baila por Paulo Rónai em "A Tradução Vivida" é sobre a gesticulação, os sinais de pontuação etc: "Pois a língua escrita também possui recursos acessórios além das palavras. São em primeiro lugar, os sinais de pontuação". O que tu achas importantes a considerar numa tradução além do texto propriamente dito?

Cássia - Existe essa tradução da pontuação também, que eu acho que vem naturalmente junto com a tradução das palavras. Como tradutora, sou autodidata, e o que me moveu a tentar a vida como tradutora, em 1999, foi o fato de que muitas vezes, lendo livros traduzidos, eu conseguia formar mentalmente o texto original em inglês. Isso fica muito facilitado, quando, por exemplo, a gente depara com um ponto-e-vírgula. Então, sempre que reviso um texto antes de entregar, eu fico em busca dessas frases e dessas pontuações que possam levar o leitor a adivinhar perfeitamente como ele estava no original. Se ele conseguir fazer isso, meu trabalho não foi bem feito.



Livros A+ - O que tens achado do atual momento da tradução para o português no Brasil?

Cássia - Não tenho como avaliar isso de um modo mais amplo. Como falei no começo, minha visão do mercado é muito pessoal. Claro que já recebi ofertas de trabalho aviltantes (tanto pelo valor oferecido quanto pelo prazo pedido) e que não aceitei fazer, mas, das editoras com que trabalho, não tenho do que reclamar. Recebo valores justos, ganho prazos exequíveis e conto sempre com editores competentes e à disposição para me auxiliar na realização do meu trabalho.

 

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