Achados históricos no Mercado Público

Achados históricos no Mercado Público

Quase 11 anos após o incêndio que consumiu 60% do pavimento superior do edifício, reformas fazem aparecer, debaixo de rebocos recentes, um arco feito em tijolos maciços e restos de um afresco

Cristiano Abreu

Adriana faz planos para preservar as descobertas como memória cultural da cidade e do Mercado Público.

publicidade

Feito uma ironia do destino, o incêndio que atingiu o Mercado Público de Porto Alegre, quase 11 anos depois, passa a ser responsável por contar mais um capítulo da história deste icônico espaço coletivo da Capital. Devido a rachaduras causadas pelo fogo, em julho de 2013, a comerciante Adriana Kauer decidiu reformar a loja administrada pela família desde 1983 no andar térreo do prédio. E fez uma importante descoberta.

“Lá em 2013, eu chamei um engenheiro e ele disse para pôr massa corrida e ficou assim todos estes anos. Agora (2024), quando fiz o pedido para a reforma, o engenheiro da prefeitura disse que o reboco teria que ser trocado. O senhor que eu contratei para a obra começou a martelar e logo me chamou, dizendo que tinha encontrado algo que eu precisaria ver”, conta Adriana. A descoberta inicial dava conta de um arco feito em tijolos maciços, o que indica que ali havia uma passagem entre as lojas. “Quando eu vi que era um pedaço de arco original do mercado, eu disse ‘pelo amor de Deus, o senhor agora deixa de ser pedreiro e vai ser arqueólogo, vamos tirar o cimento bem devagar’”, explica a proprietária da banca.

O pedido foi atendido e outras surpresas foram reveladas. Por baixo do reboco que escondia a “passagem secreta”, havia outra camada de cimento, com pinturas que possuem importância histórica. Sobre os tijolos usados para fechar a comunicação entre as bancas existem diferentes camadas de tinta e o que restou de um afresco, técnica usada para pintura artística em paredes que geralmente retrata paisagens.

Adriana Kauer, que integra a Associação dos Permissionários do Mercado Público de Porto Alegre, diz que o momento agora é de pesquisa. Junto com a Secretaria de Administração e Patrimônio do município (SMAP), o objetivo é descobrir mais informações sobre os achados. “Penso que todas as lojas do térreo eram interligadas por arcos como este e que foram fechados em algum momento. Agora, com certeza este arco é de 155 anos atrás”, avalia.

A mercadeira também revela curiosidades sobre as pinturas. “É interessante ver que acompanhavam a cor externa do mercado. Dá para ver a cor creme, que foi a primeira cor do Mercado, depois tu vê o azul, e depois o verde turquesa, todas cores que o Mercado já teve na fachada”, detalha.

Espaço de preservação

Trata-se de um local que passou por inúmeras alterações ao longo do tempo. Conforme os registros, aquele espaço, com entrada de frente para o terminal de ônibus Parobé abrigava uma hospedaria no fim do século 19.

Enquanto aguarda novas revelações, Adriana faz planos para preservar as descobertas como memória cultural da cidade e do Mercado Público. Uma das propostas é instalar vidro de proteção sobre a parede, mantendo-a visível, e torná-la uma atração aos clientes da banca. Com 40 anos de atuação, a Comercial Martini é considerada uma das lojas de artigos de confeitaria mais antigas de Porto Alegre em atividade. “Eu aproveitei esse local para contar um pouco da nossa história. Aqui tem a primeira balança, a caixa registradora, que já está restaurada, e o primeiro telefone”, conta ela, sucessora do pai, Tércio Kauer, já falecido, que inaugurou o negócio da família em 1983.

Além da proteção de vidro, o relicário cultural receberá iluminação especial. A ideia agrada aos clientes do espaço, como o padeiro João Augusto Cunha, 46 anos. “É bonito de ver, este cantinho mostra um pedaço do passado. Só tenho a dar os parabéns pela iniciativa da dona”, apoia.

“Preservar a história é uma forma de valorizar o passado. Tenho certeza de que meu pai ficaria orgulhoso e os clientes também vão gostar de ver isso”, diz Adriana, que, por anos, foi presidente da associação de permissionários do Mercado.

Lições trazidas pelas chamas

A noite de 6 de julho de 2013 foi de angústia no Centro Histórico. Por duas horas, as chamas consumiram 60% do pavimento superior do edifício, em especial do quadrante da avenida Júlio de Castilhos. As investigações da Polícia Civil concluíram que o incêndio foi provocado por uma fritadeira elétrica que ficou ligada na cozinha de um restaurante localizado no segundo andar.

A tragédia neste cartão-postal da Capital marcou a história e trouxe importantes mudanças ao local, frequentado diariamente por cerca de 150 mil pessoas, entre porto-alegrenses e turistas. Por cinco anos, o pavimento superior ficou fechado, no aguardo do restauro, e foi com muita luta que os 106 permissionários obtiveram financiamento de R$ 1,5 milhão para a elaboração de projeto executivo da reforma, execução do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI) e recuperação das escadas de acesso ao segundo andar. Contudo, os espaços só foram reabertos aos visitantes após nove longos anos de espera e empenho dos mercadeiros. De lá para cá, o prédio passou por outras intervenções.

Além da pintura externa, que já foi concluída, de acordo com a SMAP, será realizada a pintura interna. Também estão em andamento a substituição de telhas e de calhas danificadas. Outras obras estão previstas, de acordo com o município, entre elas, restauração dos relógios da fachada; reforma do Espaço de Eventos; manutenção da rede hidrossanitária, começando pelo quadrante da praça Parobé; nivelamento do piso interno do pavimento interior do prédio; instalação de 57 câmeras de segurança; manutenção do telhado; pintura interna do edifício; e entrega de novo Alvará de PPCI.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895