Animais recolhidos esperam por adoção

Animais recolhidos esperam por adoção

Em um abrigo no bairro Lami, a Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre cuida de cavalos que são resgatados da lida diária e que muitas vezes eram submetidos a maus-tratos ou eram abandonados

Felipe Falero

Thiago Ferrão, que lida com cavalos desde pequeno, é administrador do local

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Abrigados na área rural de Porto Alegre, grandes companheiros têm a chance de um recomeço digno. Resgatados da lida diária e do trote extenuante das ruas, onde na maioria das vezes eram submetidos a maus-tratos ou simplesmente abandonados, cavalos afeitos à docilidade vivem no abrigo de animais de grande porte da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), na rua Chrispim Antônio Amado, 1266, bairro Lami. Ali, eles ganham por carinho, respeito, espaço, alimentação e medicação adequadas.

Do local, podem ser encaminhados a novos donos, embora muitos animais cheguem ao local bastante debilitados e sem condições de ir a outro lar. Ocupando 20 hectares, o abrigo, aberto em 2008, é o retrato de uma vocação um tanto incomum e certamente pouco conhecida da empresa pública, cuja Equipe de Fiscalização de Veículos de Tração Animal (EFVTA) é responsável pela fiscalização de carroças, assim como garantir o recolhimento e bem-estar dos equinos.

“Ceguinho” é um dos outros quatro exemplares permanentes do abrigo, além dos 37 aptos à adoção. Há 13 anos sob cuidados da EPTC, o animal está bem adaptado ao ambiente rural, mas por não enxergar devido a um provável espancamento, nunca mais poderá sair do local. Tão inteligente quanto arredio, ele tornou-se, de certa maneira, patrimônio público. “É nosso mascote”, sintetiza o chefe da EFVTA, Gilberto Machado Fonseca.

A fim de uma melhor acolhida e adaptação, mães são deixadas junto a filhos e todos têm baias individuais, sendo que equinos debilitados ficam em locais com alvenaria. O administrador do local é Thiago Ferrão, acostumado ao trato desde pequeno. “O cavalo é um bicho muito dócil. Então, estes que chegam bastante debilitados se acostumam muito rapidamente. Damos um pouco de carinho, alimentação e eles se transformam do dia para a noite”, conta Ferrão, para quem o trabalho é uma grande responsabilidade. Atualmente, a EPTC busca novos adotantes, que precisam passar por uma seleção criteriosa. É preciso ter, no mínimo, 2 hectares de pasto por animal, além de se comprometer a não utilizá-los novamente para o trabalho, tampouco práticas esportivas, bem como, obviamente, condições financeiras de manter o animal. “É um trabalho de sentimento. A gente se depara com situações horríveis todos os dias e muitas vezes temos mais tristezas do que alegrias. Mas, depois que ele vem para cá e quando é adotado, é só felicidade, porque ele sai do abrigo, um lugar passageiro, e conhece uma nova casa. É muito bom trabalhar com isso e saber que estamos ajudando mais um animal”, comenta Bárbara Amaral, integrante da EFVTA e servidora que fiscaliza os cadastros das pessoas candidatas à adoção.

Fonseca conta que o trabalho de fiscalização de carroças na Capital tem o apoio da Brigada Militar (BM), já que as abordagens comumente são hostis. “A partir da chegada do cavalo no local, verificamos se o mesmo está com maus-tratos ou não. Caso tenha sido descoberto solto, o proprietário tem 15 dias para reclamar a propriedade, dentro de um processo administrativo. Ele paga as custas de recolhimento e diárias do animal e o mesmo é devolvido”, explica o chefe da EFVTA. Enquanto estiver no abrigo, o cavalo recebe um microchip, onde há seu histórico.

Quando há maus-tratos, ocorrência é registrada e encaminhada ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), e caso haja identificação do responsável, o mesmo responde criminalmente e perde a propriedade tanto da carroça quanto do animal.

Já o cavalo ingressa no banco de adoções. Somente neste ano, até 31 de janeiro, 24 animais foram recolhidos pela EPTC, sendo três com indícios de maus-tratos, dez foram adotados e outros foram devolvidos aos proprietários. No ano passado, a empresa pública recolheu 348, devolveu 195, intermediou a adoção de 97 e outros 29 tinham possíveis maus-tratos.

O trabalho do abrigo também é social. Muitos dos cavalos que passam por ele são destinados a instituições terapêuticas, a fim de receberem, por exemplo, nova chance em atividades de equoterapia e tratamento de certos graus de Transtorno do Espectro Autista (TEA), nos quais haja recomendação médica. “O cavalo é um excelente animal para isto e sabemos que proporciona um resultado muito positivo”, afirma Fonseca.

Em 2010, a EPTC firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do MPRS junto à BM, especialmente o Comando Ambiental (BABM), obtendo a responsabilidade deste cuidado. Além dos cuidados de Ferrão, os animais ainda dispõem de acompanhamento médico veterinário 24 horas por dia. Após os animais serem adotados, a EPTC também se encarrega das vistorias, realizadas anualmente, a fim de verificar a situação dos mesmos com as novas famílias. Em 2023, houve 60 e, em janeiro deste ano, outras três.

As carroças recolhidas nas blitze da EPTC também vão para o abrigo no Lami e sua propriedade pode ser reivindicada da mesma forma que o animal. Depois de 90 dias, porém, não havendo pedido de devolução, elas são descartadas junto a uma empresa que faz a destinação correta da madeira, ferros e borrachas. Enquanto isso, a ressocialização destes animais é um desafio para os tratadores.

“A maioria passa muito trabalho. A gente nem sonha o que foi feito com eles. Então acredito que isto aqui seja o paraíso”, relata Thiago. “Não basta sairmos doando, nem segurarmos os cavalos porque não tem adotante, então pedimos que, quem tiver condições e consciência que são animais resgatados que precisam de carinho, será bem-vindo”, acrescenta Bárbara. Para mais informações sobre a adoção, o telefone é o (51) 3289-4447 e o WhatsApp (51) 99756-0848. Denúncias de maus-tratos podem ser feitas por meio de protocolo no número 156. O abrigo é aberto para visitação pública mediante agendamento.


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