O símbolo do judiciário gaúcho

O símbolo do judiciário gaúcho

Prédio localizado junto à Praça da Matriz recebe com frequência passeios guiados e é considerado uma das mais importantes obras da arquitetura moderna do país

Felipe Faleiro

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A proposta de um prédio de traços firmes e retilíneos junto à Praça da Matriz, no Centro Histórico de Porto Alegre, assombrou moradores da região na década de 1950, quando se iniciou a elaboração do hoje chamado Palácio da Justiça. No entorno, a estrutura símbolo do Judiciário gaúcho já abrigava construções de estilo arquitetônico neoclássico, como a Catedral Metropolitana e o Theatro São Pedro, e, portanto, tal modificação poderia ser, no mínimo, destoante dos demais, considerando os pontos de vista histórico e turístico.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), no entanto, precisava de um novo espaço para chamar de seu, já que a então Casa de Câmara, edifício de estilo arquitetônico muito similar ao vizinho São Pedro, foi destruída por um incêndio em 1949. Vencedor de um concurso público em 1952, e cuja premiação se deu na ocasião no então auditório do Correio do Povo, o edifício, projetado por Luís Fernando Corona e Carlos Maximiliano Fayet, começou a ser construído no ano seguinte e foi concluído somente em 1968.

Desde então, é considerado uma das mais importantes obras da arquitetura moderna brasileira e seu simbolismo é inquestionável. Nos dias atuais, embora haja outros prédios próximos de mesmo estilo, o Palácio ainda se destaca na paisagem urbana da Capital, tanto por sua ousadia, como por seu pioneirismo, sendo objeto de estudos e admiração de profissionais da arquitetura e da população em geral. O local recebe passeios guiados, principalmente de acadêmicos de Arquitetura e Museologia, encantados por sua beleza.

“Nossa visita procura demonstrar a todos os interessados o conceito e a forma deste prédio, que se mantém bem conservado até hoje, para nossa sorte, e é uma obra de arte por si só”, conta o arquiteto Roberto Medeiros Soares, servidor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), mantenedor e guardião do edifício. Conforme ele, que conduz os interessados pelo passeio, o prédio traz os cinco conceitos de Le Corbusier, ícone global da arquitetura moderna: planta e fachada livres, janela em fita, pilotis, referindo colunas que sustentam um prédio, e são visíveis dentro dele, e ainda o terraço jardim.

Dentre tantos detalhes, chama a atenção a fachada nua da face sul do edifício, voltada para a praça, cujo único ornamento é uma estátua da deusa Themis, que simboliza a justiça. “Há muitas mensagens neste edifício e esta significa que o Judiciário gaúcho está simbolicamente ‘fechado’ a qualquer influência dos demais poderes”, conta Soares, citando o Palácio Piratini, sede do Executivo, e a Assembleia Legislativa, que abriga o Legislativo. O edifício foi ocupado por milhares de servidores ao longo dos anos, porém a inauguração posterior da sede administrativa do TJRS, na avenida Borges de Medeiros, deslocou grande parte deles ao novo espaço.

Primeira restauro aconteceu em 2002

O Palácio da Justiça teve seu primeiro restauro em 2002 devido a uma descaracterização ao longo das décadas, afirma o arquiteto, causada pela instalação de novas salas, gabinetes e de divisórias que minavam, aos poucos, a acessibilidade do amplo espaço. Até a Galeria dos Casamentos, espaço acima do térreo com vista para a Matriz onde casais confirmavam os votos matrimoniais, virou um local fechado e despropositado. Após a revitalização, o espaço novamente adquiriu suas características e funções originais, promovendo casamentos coletivos para casais de baixa renda, além da Terça Lírica, com atrações culturais.

Outros detalhes que conferem imponência ao local são os dois murais, um representando a fauna e a flora e o outro diversas personalidades históricas, um em cada fachada lateral externa, e ainda a chamada escada helicoidal, que desce em uma espiral contínua do sétimo piso ao térreo, localizada na parte central da construção. Para Campos, Porto Alegre teve “sorte” de contar com um edifício desta linha em seu Centro Histórico.

Existe, no Palácio, a sensação de que, a cada novo ingresso, há uma novidade a ser vista e apreciada. Nada é por acaso no conceito arquitetônico modernista, algo que comumente impressiona os acadêmicos ou os profissionais que adentram no espaço pela primeira vez. Mesmo mais de 50 anos após sua inauguração, a sede do TJRS continua a encher os olhos. “Tem muita gente que me diz, ao final da visita, que começará a observar o prédio com outras visões”, observa o arquiteto do Tribunal.

Com três toneladas e cerca de três metros de altura, a estátua de Themis, geralmente presente nos edifícios que abrigam os poderes judiciários, também tem características diferentes destes lugares. No caso de Porto Alegre, ela está de olhos abertos, não vendados, para simbolizar a Justiça que deve olhar por todos, e com a cabeça levemente curvada para a frente. Ainda conforme o profissional, Corona e Fayet foram visionários, ao conceber um prédio que reúne tradição e modernidade.

Estátua de Themis pesa três toneladas e não está vendada

“Lá na década de 1950, ambos tiraram aquela concepção do poder olhando o povo de cima. O Poder Judiciário gaúcho é democrático, está no nível do povo. Tanto é que não temos nenhum degrau desde o passeio até a entrada do prédio. Há também uma questão de acessibilidade envolvida, mas as mensagens são claras. É algo que transmite sem falar”, afirma ele. O Palácio da Justiça tem sete andares, sendo que o gabinete da presidência e o auditório, com 202 lugares, ficam no sexto pavimento.

Nos demais, estão locais como a Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ), a sede da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), um restaurante, gabinetes diversos e, no térreo, o Memorial do Judiciário, responsável por preservar a memória do Poder Judiciário, com materiais documentais, jornalísticos, fotográficos e audiovisuais. Setenta anos depois do início de sua construção, o Palácio da Justiça está integrado com a história de Porto Alegre e, por trás de todo o granito dos revestimentos e do mármore dos pilares, o prédio em si, afirma Soares, reflete toda a importância do trabalho do Judiciário para garantir a ordem e a democracia.


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