ONG "Patas Dadas" quer permanecer no Campus do Vale da Ufrgs

ONG "Patas Dadas" quer permanecer no Campus do Vale da Ufrgs

Organização precisou encerrar as atividades nas dependências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no ano passado a pedido da instituição, que apresenta uma série de motivos para descontinuar o projeto

Kyane Sutelo

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Na porta da baia 8 do canil, escrito a giz, está o nome Ígora, acompanhado de recados importantes: ração sênior, nada de alimentação pastosa ou de petiscos, fujona. Mas dentro não há sinal da dona do espaço. Ígora foi um dos 30 cães removidos para lares temporários quando a "ONG Patas Dadas" precisou desocupar o espaço no Campus do Vale da Ufrgs no ano passado, a pedido da universidade.

Foram quase 14 anos atuando no local em parceria com um projeto de extensão – com mais de mil animais resgatados, tratados e colocados para adoção em campanhas realizadas. A entidade precisou doar em março o mobiliário e mantimentos após ser notificada de que os materiais que ficassem seriam recolhidos pela instituição. Agora, a ONG busca formas de retornar ao espaço para dar continuidade ao trabalho feito por cerca de 40 voluntários.

“O Campus do Vale vai continuar sendo um foco de abandono”, lamentou um dos coordenadores da Patas Dadas, Bruno Giozza, que possui um arquivo de antigas reportagens e ocorrências sobre abandono de cães e assassinato de animais por envenenamento no local.

A Ufrgs apresenta uma série de motivos para descontinuar o projeto. Dentre eles estão denúncias à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) devido ao ruído produzido pelos latidos dos animais acolhidos. Essa reclamação teria vindo de moradores do bairro Jardim Universitário, de Viamão, que fica próximo ao canil.

Giozza reclama da falta de esforços da Superintendência de Infraestrutura da Ufrgs (Suinfra) para resolver o problema. “Eles tinham feito um único teste, que era plantar bambu para uma suposta mitigação de ruídos e o laudo atestou que não mudou nada, foi ineficiente”, contou.

Segundo o representante da ONG, especialistas do Suinfra identificaram uma baia para fazer testes acústicos, mas nunca colocaram em prática. “Chegou março e a gente mandava e-mails perguntando o que eles estavam fazendo. Não nos respondiam. Eu tinha que ir pessoalmente exigir respostas e, quando respondiam, era: ‘Sinto muito. O projeto de extensão de vocês foi finalizado, vocês não têm mais vínculo com a universidade, não podemos fazer mais nada’”.

Conforme a universidade, em 17 de fevereiro de 2022, foi feita uma reunião com a ONG e o Instituto de Letras, ao qual o projeto estava ligado, informando sobre a demanda. Menos de três meses depois, foi solicitada a suspensão das atividades. 

A atuação da Patas Dadas como projeto de extensão da universidade também encontrou outra barreira: a falta de ligação com um curso relacionado ao trabalho realizado, visto que atuava ligado ao Instituto de Letras. Apesar de alunos e professores ouvidos pelo Correio do Povo desconhecerem a norma, e da ONG ter trabalhado assim por mais de uma década.

O secretário de Comunicação da Ufrgs, André Prytoluk, explica que a exigência está vigente desde 2019, conforme o artigo 15 da resolução 75 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da universidade. “A Orientação acadêmica de atividades de extensão será exercida por docente ou técnico em assuntos educacionais com atuação na área de conhecimento da atividade, do quadro pessoal efetivo da Ufrgs ou convidado vinculado à Ufrgs em conformidade com as normas específicas da Universidade”, diz o texto.

Tanto a universidade quanto a ONG afirmam que procuraram cursos relacionados ao tema para assumirem o projeto de extensão, mas não obtiveram sucesso. “Há professores que querem assumir o projeto, mas não querem ter que lidar com a burocracia da Suinfra”, diz o coordenador da ONG, que defende que a parte estrutural deveria ser responsabilidade da Ufrgs e não da faculdade que coordena o projeto.

O que diz a Ufrgs

O diretor da Faculdade de Veterinária da Ufrgs (Favet), Vladimir Pinheiro do Nascimento, não quis comentar o caso. Em nota, enviada pelo secretário de Comunicação, a universidade aponta que a Favet atua em favor dos animais com o Hospital de Clínicas Veterinárias (HCV). O espaço funciona no Campus do Vale e presta atendimento pago à população.

O texto afirma ainda que o canil não poderia ficar sob os cuidados da Favet, pois não pode administrar “nenhuma estrutura que esteja aquém dos padrões exigidos pelo Conselho de classe” e que a transferência da ONG para a sede da Veterinária também não seria possível, devido aos animais atendidos no local e à Vila Agrovet, “o que levaria às mesmas denúncias de barulho excessivo”.

A manifestação da Ufrgs ainda traz dados sobre leishmaniose, mas a faculdade não explica a relação da doença com o caso da ONG Patas Dadas. Conforme a nota, há um “papel que historicamente vem sendo realizado pela Favet e HCV em apoio ao trabalho desenvolvido pelas ONGs no Campus do Vale (destacadamente a Associação de Defesa Animal e Ambiental - Adaac e a Bichos do Campus)”. Porém, a coordenação do projeto Adaac - Bichos do Campus informou que se tratava de uma iniciativa única que encerrou as atividades no início da pandemia.

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A Patas Dadas não se contenta com os argumentos da universidade e busca uma reunião para debater o tema. Eles querem permanecer no Campus do Vale, onde já foi construída parte da estrutura e onde há histórico de abandono de animais. Os deputados federal Fernanda Melchionna (PSol) e estaduais Luciana Genro (PSol) e Leonel Radde (PT), além da vereadora Lourdes Sprenger (MDB), se engajaram na causa e pedem um encontro com a Ufrgs. 

Enquanto isso, Ígora e seus colegas de ONG seguem vivendo em lares temporários, com as doações que a entidade recebe e repassa às instituições parceiras que abrigaram os animais. Os responsáveis pela iniciativa criaram um abaixo-assinado para que a população auxilie. “O que a gente quer, no momento, é retomar de imediato a atuação aqui. É um canil que foi construído e está parado. E os cães não estão parando de ser abandonados, não estão parando de andar por aí sendo atropelados”, diz Giozza.


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